19 junho 2006

 

Manchetes, copianço e corrupção

Os jornais têm um problema todos os dias (falo dos diários): arranjar uma manchete apelativa, daquelas que enchem o olho e levam o incauto a adquirir irresistivelmente o periódico, atraído pela "bomba". Os ditos "de referência" não fogem à regra, pois a vida está difícil e a concorrência é muita.
Hoje, por exemplo, o Diário de Notícias saiu com uma manchete a toda a largura (quase tapando o Cristiano Ronaldo!) intitulada: "Países com mais corrupção copiam mais na escola". Como se sabe, o tema da corrupção é muito popular em Portugal. Toda a gente é contra a corrupção (mesmo os corruptos). A comunicação social frequentemente "bate" no assunto, que vende bem e assim dá-se um "toque" de preocupação cívica. É ouvida invariavelmente a Maria José Morgado, elevada a oráculo nacional sobre a matéria. Naquele dia, perpassa um frémito de comoção cívica pela opinião pública e por todos os "responsáveis" que forem auscultados. Depois, a vida continua.
Mas de que fala a notícia do DN? Reporta-se ela a um estudo da Faculdade de Economia do Porto cuja conclusão global é a seguinte: existe uma "forte correlação" entre a corrupção no mundo dos negócios e a fraude académica. Mais concretamente, explicam as autoras do estudo que "é provável que quem adopte actividades não éticas na sala de aulas as venha também a adoptar no mundo dos negócios". Chegaram a esta conclusão depois de estudarem 21 países. Mas encontraram duas excepções (e que excepções!): a Nigéria e a Argentina.
Confesso que me sinto muito perplexo. Então é assim tudo tão simples e linear: quem copia na escola é um corrupto eventual? E quem copiou no seu passado escolar é agora um corrupto no activo? Vamos então, para investigar a corrupção, começar pelo passado escolar do suspeito? Ou até considerar suspeitos todos os copiadores identificados? Vamos todos passar à acção e tentar apurar se o vizinho, os amigos, os inimigos, o chefe, os governantes, os dirigentes políticos, etc., copiaram na escola? Inversamente, como poderemos evitar que alguém apareça a dizer que nos passou uma cábula ou que nos viu lançar o olho para a prova do vizinho do lado? Estaremos todos sujeitos à delação e ao pelourinho público?
E já agora: não existirão "correlações fortes"entre o copianço e outras "realidades"? As excepções (de peso) constatadas não invalidam ou tornam desde logo problemática a conclusão?Este estudo meramente estatístico que valor científico pode reivindicar? Alguém acredita que o fenómeno da corrupção ficou mais esclarecido? Servirá o "estudo" para mais do que para manchete de um domingo?





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