21 dezembro 2006

 

Dogmas e heresias

“Se te preparas para dizer a verdade é melhor que tenhas um pé no estribo”. É mais ou menos assim que reza o ditado turco, que, de entre outras leituras, é susceptível de ser interpretado em termos de quem exprime uma opinião fundamentada ou incisiva sobre um ponto dever contar com duas coisas: com a eventualidade de ter de fugir e com a certeza de ter de esperar por reacções hostis, quando não de agressão. Ora bem, se fugir – que neste contexto teria o sentido óbvio de recuar no exercício da mais fundamental das liberdades – não faz o meu feitio, devo reconhecer que não esperava que o exercício opinativo fosse mote para a virulência histérica que varreu o dia de ontem. Desde o puro e simples insulto até à manipulação (para usar eufemismo) das palavras e das ideias por certo jornalismo, de tudo se viu (e muito não se viu) um pouco. O que não se verificou, salvo honrosas excepções (de que o postal anterior é bem exemplo, apesar da minha discordância em alguns pontos e de versar sobre um aspecto limitado da questão), foi o desmantelar criterioso, sereno e fundamentado de cada um dos argumentos alinhados (para quê um argumento se há um insultozinho – homofóbicos, preconceituosos e outros que o pudor me retém de propalar – ali logo à mão?) e do valor conjunto deles. E isso, segundo creio, diz alguma coisa da força dos mesmos…
Por outro lado, aquela reacção violenta é para mim tão marcante, quanto se perde de vista esta evidência mesquinha: o artigo do Código Penal em causa é tão só a norma, de todo o diploma citado, que mais fez jus àquela expressão de um ilustre penalista (mas já adquirida como património comum), que se referia a uma certa “política criminal à flor da pele”. Contando com redacção inicial, ela conheceu, desde 1982, quatro redacções (DL 400/82, de 23.9, DL 48/95, de 15.3, L 65/98, de 2.9 e L 7/2000, de 27.5). Em nenhuma dessas ocasiões foi debatida com seriedade, segundo julgo, a hipótese de equiparação que agora se pretende explicitamente consignar (e não há nada que tenha por mais duvidoso do que a consideração de que a L 7/2001, de 11.5 tenha tido a virtualidade de alterar um tipo penal, alargando a previsão incriminatória preexistente; trata-se antes de uma lei que reconhece – e bem – a quem viva em união de facto, independentemente do sexo, direitos bem precisos – e só eles – previstos nos artigos 3.º e ss.). É claro que com isso não quero dizer que o legislador reformista tenha de ficar preso a opções pretéritas – de resto, é por isso que é reformista. O que quero dizer é que uma objecção à alteração, num tal contexto, sobretudo num tal contexto, não deve ser remetida, como parece ter sido, por alguns, para a categoria de torpeza herética e nem a solução reformadora elevada à grandeza de dogma revelado. Coisa que os que se recusam a argumentar – e preferem falar por cima – se terão olvidado. E com isto, pelo que me toca, dou por findo este capítulo. Um bom Natal e melhor Ano Novo.






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