16 janeiro 2007

 

CSI à portuguesa

As séries de polícias e ladrões e sobre a barra dos tribunais têm relativo sucesso junto do grande público. Quem não se recorda do Capitão Furillo da Balada de Hill Street e da sua companheira Joyce Davenport, do Detective Columbo, das Teias da Lei e, só para não me alongar, da minha preferida Ally Mcbeal (pelo insólito e ridículo das situações e pela banda sonora que, de tão pimba que é, é impossível não gostar).


De todas (e penso que não estarei longe da verdade) a que mais sucesso atingiu foi a CSI - nas suas versões Las Vegas, Miami e New York. Ao ponto de se falar num CSI Effect que se traduzirá numa maior exigência de prova científica pelo Júri norte-americano ou até numa maior preparação técnica por parte dos agentes de crimes. Em simplesmente uma hora somos confrontados com a facilidade com que aqueles cientistas/polícias resolvem, pelo menos, um crime: recolhendo provas, analisando-as, processando-as e tirando conclusões que inelutavelmente levam ao perpetrador do crime. De entre a panóplia de ferramentas que têm ao seu dispor há uma que é rainha: o CODIS (Combined DNA Index System).



O ADN também tem sido utilizado entre nós como forma de atingir a identidade daquele que praticou um crime, sem que, a não ser mais recentemente, tivesse sido levantada grande celeuma sobre a sua utilização. Novidade, novidade é a criação de uma Base de Dados de Perfis de ADN, projecto este que teve o seu início no início do ano de 2006 e cuja Comissão criada para esse efeito apresentou no passado mês de Dezembro o seu Projecto.
Com esta Proposta visa-se a criação de uma Base de Dados de Perfis de ADN que tem dois objectivos primordiais: permitir a identificação civil e auxiliar a investigação criminal.
Da leitura em diagonal que fiz desse documento retiro que no que toca ao âmbito da investigação criminal esta Base de Dados vai ser constituída por amostras de ADN dos condenados pela prática de crime em pena de prisão igual ou superior a 3 anos e na sequência de despacho judicial para a recolha de tais amostras.
No decurso do Inquérito a recolha das amostras genéticas está prevista a requerimento do arguido ou por despacho do Juiz (art. 8º, nº 1) a partir da constituição de arguido, sem qualquer outro requisito adicional. Só se poderá então proceder à recolha das ditas amostras de arguidos (e das pessoas que, directa ou indirectamente, possam estar associadas ao local do crime), as quais só passarão a integrar um ficheiro de perfis de ADN se o arguido for condenado em pena de prisão igual ou superior a 3 anos (arts. 8º e 22º).
Por forma a não se atingir os direitos fundamentaias da intimidade e da identidade genética é utilizado unicamente o ADN não codificante.
Desta análise de simples curiosidade resultaram algumas dúvidas:
1) Porquê o enquadramento das recolhas de amostras de ADN nos exames e não na perícia? Face ao que se lê no art 151º do CPP parece que não só a análise de ADN deve ser tratada no âmbito das perícias, como também a da recolha das amostras, porque a mesma exige também especiais conhecimentos.
2) Outra questão é a da permissibilidade/proibição da recolha coactiva das amostras genéticas.
Um afloramento desta questão está no art. 10º o qual diz que "a recolha de amostras em pessoas é realizada através de método não invasivo, que respeite a dignidade humana e a integridade física e moral individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal ou outro equivalente" e no art. 8º, nº 1 da Proposta que remete expressamente para o o art. 172º do CPP, que dispõe que "Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente"
É esta uma porta aberta para a execução coerciva? Imaginemos que à ordem "Abra a boca!" o arguido responde "Não abro!" e o Juiz (se é que é esta a autoridade judicária que o deve determinar em sede de Inquérito) volta a dizer "Abra lá!" e o arguido riposta "Não abro, não abro e não abro!".
Como se sai deste impasse?
Por método equivalente poder-se-á dizer. Como, por ex., arrancar um cabelo (e cuidado que tem que ser pela raiz), cortar uma unha. Mas aí a mesma questão poderá voltar a colocar-se.
3) O que faz com que me questione se a recusa do arguido implica que não se possa recorrer a outras formas para atingir o mesmo fim - como por ex. efectuar uma busca à sua residência para obter objectos de uso pessoal ou recolher amostras de ADN de familiares seus. Se se entender que o direito fundamental protegido neste âmbito é a integridade física (como parece decorrer do art. 10º) não me parece que haja algum óbice a que se recorra estes métodos. Se for o direito à sua informação genética (o que não me parece tendo em conta que só se recorre a ADN não codificante) então a resposta só poderia ser negativa.
4) E pode a sua recusa ser punida como crime de desobediência à semelhança do que sucede para os exames de pesquisa de álcool?





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