16 outubro 2007
A insustentável leveza da Senhora ex-provedora
Não há mistura mais explosiva do que a da ignorância com a tendência para as teses conspirativas. Catalina Pestana – que apenas nos 12 anos durante os quais exerceu diversas funções na Casa Pia de Lisboa não deu conta de abusos sexuais sobre crianças – já não se basta com a destruição do resto da imagem e da memória histórica de uma instituição a tantos títulos louvável. Agora é a própria Justiça que, segundo insinua, por vestir avental por debaixo da beca, surge como alvo a abater. A imputação, cavilosa, é esta: os juízes que julgam o caso, por si ou em conluio com os advogados (pode depreender-se das suas palavras), arrastam o processo porque era preciso esperar por “leis mais brandas”. A pedrinha legal no sapato de Catalina é a nova redacção do artigo 30.º/3, parte final, do CP, que dispõe que não há lugar a crime continuado em tratando-se de bens eminentemente pessoais, “salvo tratando-se da mesma vítima”. São mais precisamente estas 5 palavrinhas que provocam na ex-provedora-que-só-agora-vê-abusos-sexuais-de-criança todo o prurido bem plasmado na entrevista para a qual remeti acima.
Não lhe teria ficado mal, porém, consultar um ou outro jurista (ou mesmo um protojurista que frequentasse, digamos, o 1.º ano da faculdade de Direito) antes de se dedicar a tão arriscada aventura como a de entrar, sem rede, pela discursividade jurídico-penal. Se o tivesse feito, teria logo concluído que desde há muito tempo algumas da mais importantes figuras da ciência penal nacional pugnavam pela solução que ficou agora consagrada. A título de exemplo, logo em 1975, ainda antes da entrada em vigor do actual Código Penal, assim se pronunciou o Prof. Figueiredo Dias; e em 1983, em escrito versando as soluções do actual CP (1982), enfileirou pela mesma tese o Prof. Faria Costa. Trata-se de personalidades que influenciaram e influenciam de modo muito relevante a jurisprudência pátria e em razão disso aquela tese é a que domina claramente (talvez até mesmo de modo indisputado) nos tribunais portugueses (talvez por isso, admito, fosse dispensável a alteração). Duvido, no entanto, que a ex-provedora se importe com estas minudências da dogmática penal. Importante mesmo, é aparecer na TV e agitar as águas, ainda que à custa da imagem da instituição que postiçamente defende e de uma Justiça que apesar de exasperadamente lenta, é certo, não parece preocupar os portugueses pela falta de seriedade.
Seja como for, ainda que por mero exercício de raciocínio a alteração legal tenha sido adoptada de modo conventicular e que com ela mais não pretendesse, o poder político e qualquer sorte de pedreiros-livres, “salvar a pele” dos seus apaniguados de consequências mais gravosas, ficar-se-ia, nesse caso, para usar mais uma vez a linguagem penal, em estádio de mera tentativa: verificados os pressupostos do crime continuado, com ou sem a alteração legal, a solução prática seria sempre a mesma.
Não lhe teria ficado mal, porém, consultar um ou outro jurista (ou mesmo um protojurista que frequentasse, digamos, o 1.º ano da faculdade de Direito) antes de se dedicar a tão arriscada aventura como a de entrar, sem rede, pela discursividade jurídico-penal. Se o tivesse feito, teria logo concluído que desde há muito tempo algumas da mais importantes figuras da ciência penal nacional pugnavam pela solução que ficou agora consagrada. A título de exemplo, logo em 1975, ainda antes da entrada em vigor do actual Código Penal, assim se pronunciou o Prof. Figueiredo Dias; e em 1983, em escrito versando as soluções do actual CP (1982), enfileirou pela mesma tese o Prof. Faria Costa. Trata-se de personalidades que influenciaram e influenciam de modo muito relevante a jurisprudência pátria e em razão disso aquela tese é a que domina claramente (talvez até mesmo de modo indisputado) nos tribunais portugueses (talvez por isso, admito, fosse dispensável a alteração). Duvido, no entanto, que a ex-provedora se importe com estas minudências da dogmática penal. Importante mesmo, é aparecer na TV e agitar as águas, ainda que à custa da imagem da instituição que postiçamente defende e de uma Justiça que apesar de exasperadamente lenta, é certo, não parece preocupar os portugueses pela falta de seriedade.
Seja como for, ainda que por mero exercício de raciocínio a alteração legal tenha sido adoptada de modo conventicular e que com ela mais não pretendesse, o poder político e qualquer sorte de pedreiros-livres, “salvar a pele” dos seus apaniguados de consequências mais gravosas, ficar-se-ia, nesse caso, para usar mais uma vez a linguagem penal, em estádio de mera tentativa: verificados os pressupostos do crime continuado, com ou sem a alteração legal, a solução prática seria sempre a mesma.