14 novembro 2007

 

A propósito da leitura da Constituição e do rigor, sem s.f.f.


O recente artigo de Vital Moreira no Público, que o autor generosamente disponibilizou na rede, aparecendo escrito pelo cronista parece compreender também uma lição do constitucionalista com o mesmo nome, aliás com o respectivo livro de estilo (v.g. «deve considerar-se», «não são», «nem integram»)
Maia Costa já teve oportunidade de destacar o rigor conceptual do artigo no que toca ao tratamento de termos como funcionário, relação de emprego, estatuto profissional (embora me pareça que a questão oftalmológica não seja de raiz anglo-saxónica)

Aparentemente, o móbil do cronista-constitucionalista foi analisar o «novo regime dos vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores da administração pública» no actual quadro constitucional, este comentário restringe-se às considerações finais do artigo sobre o MP e ao confronto com o texto da Constituição - já que embora o pretexto de enquadramento constitucional do MP aí empreendido seja a distinção funcional entre juízes e membros do MP e a separação de magistraturas esta, além de me parecer assente e inequívoca, não é confundível com a interpretação das específicas coordenadas constitucionais sobre o MP(1).

Diz então Vital Moreira que «não relevam para o Ministério Público as razões constitucionais e políticas que [...] afastam a sua qualificação como funcionários públicos».
Antes do mais importa referir que no plano mais global se me afigura como tendo toda a pertinência a análise dos sistemas através da antinomia procurador–funcionário v. procurador–eleito, centrado no modelo de provimento e legitimação, à luz do qual se deve colocar inequivocamente o caso português na primeira categoria.
Contudo, Vital Moreira avança para a integração numa específica categoria do direito administrativo nacional, funcionário público, que me parece chocar com o direito constitucional ainda vigente, embora estribada em argumentos de autoridade sobre o mesmo.
Siga-se a argumentação do cronista centrada em dois vectores:
- Os membros do MP «integram a administração pública»? No plano institucional e funcional a Constituição portuguesa distinguiu-os, inserindo o MP como órgão autónomo no âmbito dos tribunais(2).
- Para Vital Moreira «na solução alternativa», à da integração no estatuto de funcionários públicos disporiam «de um estatuto próprio, sem prejuízo dos aspectos do regime da função pública que a lei lhes mande aplicar, e só desses». Contudo a Constituição consagra de forma expressa essa «solução alternativa» no artigo 219.º, nº 2: «O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia»(3).
E a destacada por Vital Moreira «participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania» é objecto de expresso enquadramento por remissão para essa norma, ou seja, tem de operar-se «com observância» «do estatuto próprio e autonomia do Ministério Público» e nos «termos da lei».

Sublinhe-se que esta crítica do artigo jornalístico / constitucional não constitui um argumento sobre a bondade da solução constitucional portuguesa, mas tão só recordar o actual quadro, já que as funções e posição institucional do MP têm de ser enquadradas, antes do mais, ao nível do sistema jurídico-constitucional de cada Estado e do respectivo modelo de estruturas de administração e poder, e ainda à luz das opções de política criminal dos Estados. A reflexão crítica sobre a mesma já é uma outra questão, aliás difícil de analisar em formato blogueiro tal como a própria caracterização mais ampla do estatuto constitucional e respectivos corolários (que não o mais simples abordado por Vital Moreira relativo à separação do funcionalismo público inserido na Administração Pública).

(1) Embora há muito defenda que se me apresenta necessário o aprofundamento no plano legislação ordinária de diferenças funcionais e organizacionais entre MP e judicaturas. Mas não é disso que aqui se cura.

(2) Também expresso no plano sistemático, daí que os artigos sobre este órgão estejam inseridos, desde a redacção originária, no cap. IV (Ministério Público) do título V (Tribunais) que é antecedido pelo título III (Governo) e precedia o título VI (Regiões Autónomas) da Parte III (Organização do poder político). A caracterização funcional do MP também compreende atribuições que não pertencem, no sistema português, ao executivo em particular titularidade da acção penal e defesa da legalidade democrática nos tribunais.

(3) Nos termos do artigo 165º, nº 1, al. p) «É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre, salvo autorização ao Governo [...] Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados».





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