28 janeiro 2008

 

Juízes-capatazes, também designados por presidentes dos tribunais

Há dias falei aqui dos "superjuízes" que o Governo quer pôr a administrar os tribunais, mas ainda não tinha lido o texto da proposta governamental.
Depois de lida, confirmam-se os piores receios sobre a nova figura do juiz presidente do tribunal de comarca.
O art. 33º, que passará a ser um dos preceitos mais extensos da nossa legislação, atribui-lhe competências de quatro tipos: de representação e direcção, de direcção, de gestão processual, administrativas e funcionais.
Os grandes problemas centram-se nas competências de direcção e de gestão processual.
Em primeiro lugar porque faz do presidente alguém que tem poderes de vigilância sobre o desempenho dos outros juízes, podendo propor ao CSM inspecções ou sindicâncias ao trabalho dos seus "colegas" (se é que o são...); em segundo lugar porque tem poderes de redistribuição de processos e de reafectação dos juízes no âmbito da comarca.
Estas competências, nomeadamente estas, fazem do presidente do tribunal uma autoridade administrativa sobre os outros juízes (além dos funcionários, obviamente), de certa forma uma longa manus do CSM na comarca. A ideia do legislador é claramente a de criar uma pirâmide hierárquica na gestão (e disciplina) da magistratura judicial, encabeçada no CSM e ramificada pelas comarcas, através dos presidentes dos tribunais.
É evidente que os presidentes não podem dar ordens aos outros juízes sobre a forma como devem decidir e, nessa medida, não está directamente em causa a independência dos juízes. Mas há diversas expressões utilizadas pelo legislador que dão margem a suspeições e ambiguidades. Na verdade, o presidente do tribunal deve avaliar a "qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos" (o que é isso de avaliação da qualidade?), e deve acompanhar o "desempenho dos juízes" (o que é isso de desempenho?). São latos, vagos e obscuros os poderes de "vigilância" que o presidente tem sobre os seus "colegas" (poderão assim ser considerados, ou serão antes subordinados?). Nessa medida, as intromissões podem acontecer (até porque há sempre presidentes com vontade de mostrar serviço...), pelos menos equívocos podem aparecer.
Tanto mais que o presidente tem a tal competência de "reafectação" dos juízes, ou seja, de transferir, embora dentro da mesma comarca, os juízes de um para outro tribunal. Assim como pode, em certos termos, redistribuir processos. Tudo isto pode tornar-se suspeito, ainda que sem fundamento. Suspeito não só aos olhos dos juízes afectados e reafectados, mas das partes e da opinião pública.
A ideia do legislador é fazer da comarca uma estrutura puramente administrativa, uma espécie de direcção-geral, com um presidente (director-geral) a dirigir os seus destinos, a planear a actividade, a avaliar os resultados, a chamar a atenção e mesmo a advertir informalmente o pessoal, a dar informações superiormente sobre o dito pessoal, a mudar os seus homens dum lado para o outro, conforme as necessidades segundo ele entende, ou a entregar serviço a gente mais capaz, segundo o seu critério, tudo isto para apresentar um relatório (semestral) onde os seus méritos como gestor serão também necessariamente avaliados.
Esta estruturação mesquinhamente administrativa é completamente desadequada à orgânica judicial, lesiva dos princípios da independência dos juízes, da autonomia do MP e do juiz natural (em processo penal), que são estruturantes da função judicial.
Não se ignora, e reafirma-se, que a actual gestão dos tribunais e o procedimento de avaliação dos magistrados não são satisfatórios. Mas a solução não é seguramente a importação pura e simples de uma lógica administrativa para dentro do poder judicial.
Mas não é de estranhar que esta proposta surja. Ela é perfeitamente coerente com a orientação autoritária que este Governo tem imprimido desde o início às soluções que propõe e faz vingar, com a sua sólida maioria absoluta, para a administração pública em geral, de que o caso da gestão das escolas é agora outro exemplo actual.





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