24 janeiro 2008

 

Os factos não interessam em apologias precipitadas, ou o estado da sabedoria

Enquanto alguns rasgam as vestes indignados pelo facto de o Papa Bento XVI ter sido alegadamente «impedido» de intervir na Universidade “La Sapienza” e concluem pela demonstração de variadas teses, outros sabedores vêm explicar a «tacanhez» do Cardeal Ratzinger (caso de Rui Tavares que responde no Público aos anteriores artigos de Pulido Valente e José Manuel Fernandes). Diz-se então com autoridade e ironia que «foram as palavras do relativista Feyerabend, que o anti-relativista Ratzinger citava aprovadoramente quando pareciam desculpar a Inquisição no processo de Galileu que agora voltaram para assombrar o anti-relativista Ratzinger diante de físicos que se consideram ainda mais anti-relativistas do que ele». No fim o articulista revela, do alto da sua cátedra sapiente, que é moderado cunhando de tacanhos não só o Cardeal hoje Papa como os professores subscritores do abaixo assinado: «Como cientistas que se julgam donos exclusivos da Universidade, os autores do protesto de La Sapienza conseguiram aparecer mais tacanhos do que o seu adversário, o que não é coisa pouca»[1].

A questão que fica por responder é se às vezes não será melhor ler o texto que se comenta, apesar da certeza (histórica?) de que o mesmo é «tacanho». Rui Tavares certo de estar iluminado dispensa tais aborrecimentos, pelo que partindo da citação de uma citação, a carta de repúdio à agendada intervenção do Papa na Universidade “La Sapienza”, revela-nos que «Ratzinger tivera de se socorrer das palavras de Paul Feyerabend, talvez um dos filósofos do século XX que mais foi acusado de relativismo» [2] .
O método intuitivo do historiador / articulista na interpretação de escritos que aparentemente se prescindiu de ler não deve ser censurado pois censurar é feio e a exegese de textos é trabalhosa (coisas para «tacanhos»), afigurando-se muito mais modernaço e blogueiro repescar frases do género «Toda a gente tem direito à sua própria opinião, mas ninguém tem direito aos seus próprios factos», mesmo quando a carapuça lhe encaixa bem.
Naturalmente para quem, como Rui Tavares, é tão cioso da sua opinião e dos «seus próprios factos», também se afigura irrelevante o facto de Joseph Razinger na, agora famosa, intervenção de 1990, depois de citar Feyerabend (e outros), concluir:
«Será absurdo construir com base nestas afirmações uma apologética precipitada»[3]!

[1] Os 67 docentes da Universidade que subscreveram uma carta contra a ida do Papa Bento XVI e manifestaram o desejo de que esse «evento incongruente fosse cancelado» .
[2] Informação preciosa e exclusiva que Tavares parece supor que Ratzinger não teria, até porque na citação da citação que consta da carta dos 67 docentes, que afinal o sábio historiador português classifica de «tacanhos», não se menciona que Ratzinger se refere a Feyerabend como filósofo agnóstico-céptico para além de, na alegada diatribe contra Galileu, mencionar, depois de Feyerabend, um outro autor (Weizsacker) que identifica uma linhagem entre Galileu e a bomba atómica, pelo para quem lesse o original numa interpretação literal e descontextualizada tal argumento apresentar-se-ia como muito mais escandaloso.
[3] «Sarebbe assurdo costruire sulla base di queste affermazioni una frettolosa apologetica. La fede non cresce a partire dal risentimento e dal rifiuto della razionalità, ma dalla sua fondamentale affermazione e dalla sua inscrizione in una ragionevolezza più grande.» (Svolta per l'Europa? Chiesa e modernità nell'Europa dei rivolgimenti, Paoline, Roma 1992, p. 79).

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