27 julho 2008

 

O meu julgamento

Julgue o leitor se este texto ainda tem alguma actualidade ou se já pode ser arquivado. Encontrei-o nas minhas velhas leituras:


«O juiz mandou-me finalmente erguer e, sem tirar os olhos dum maço de processos que tinha sobre a mesa, perguntou-me:
- Tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa?
Era um homem de olhos pequeninos, penetrantes, entrincheirados nuns óculos de míope, e tinha os cabelos raros e revoltos sobre a testa vasta e luzidia. Acompanhara todo o julgamento com a mesma automática indiferença com que certos padres oficiam. Digo mesmo: como se não acreditasse na eficácia da Justiça.
O delegado, esse, compusera uma grande e nobre seriedade para a galeria, que seguiu com ávido interesse o julgamento, não decerto por amor da Justiça, nem porque eu lhe inspirasse comiseração; mas para ouvir relatos dramáticos e torpes. Que disse ele na sua acusação? Não me posso lembrar precisamente: coisas confusas, palavras ocas, gestos… Apenas sei que terminou pedindo a mais grave das penas aplicáveis aos meus crimes. (…)
Do meu defensor, é estranho, mal me lembro. É inútil insistir.»

(José Rodrigues Miguéis, Páscoa Feliz)





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)