18 novembro 2008
Magistrados, militares, professores: classes perigosas e mesmo criminosas ou a actualidade de Costa Cabral
Decreto Real de 1 de Agosto de 1844
TOMANDO em consideração o Relatório dos Ministros e Secretários de Estado das diferentes Repartições, Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º Os Juízes de Direito de Segunda Instância das Relações de Lisboa, Porto, e Ponta Delgada, e os da Relação Comercial, poderão ser mudados pelo Governo de uma para outra Relação no Continente do Reino, e Ilhas Adjacentes, quando o exigir o serviço público, precedendo, contudo, voto deliberativo do Conselho de Estado.
Art. 2.º Os Juízes de Direito de Primeira Instância do Continente do Reino, e Ilhas Adjacentes poderão ser mudados pelo Governo de uns para outros lugares da Magistratura Judicial, logo que completarem três anos de serviço em cada Lugar.
§ 1.º Os três anos contam-se desde o dia da posse. Findos eles, o Governo poderá ordenar aos Juízes, que dêem residência.
§ 2.º Durante o tempo da residência, que deverá ser dada dentro de quatro meses, servirão em Lugar dos Juízes de Direito os seus Substitutos, os quais, além dos Emolu-mentos, vencerão a terça parte do ordenado respectivo aos Juízes de Direito, ficando estes somente com as duas terças partes até entrarem em novo exercício.
§ 3.º Nenhum Juiz poderá ser mudado, nem despachado para Lugar de sua natu-ralidade, à excepção de Lisboa e Porto.
§ 4.º Compreendem-se nas disposições deste Artigo, e dos seguintes até ao sex-to, os Juízes Criminais, ou Magistrados de Polícia Correccional, e os Juízes Comerciais.
Art. 3.º Os Juízes de Direito de Primeira Instância do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes poderão ser mudados pelo Governo nos termos do Artigo antecedente, ainda antes do prazo aí fixado:
1.º Quando o bem do serviço público assim o exigir, ouvido o Conselho de Estado.
2.º Quando os Juízes pretenderem trocar os Lugares, ou ocupar os vagos à escolha do Governo.
Art. 4.º Os Juízes de Direito de Primeira e Segunda Instância transferidos deixarão de exercer jurisdição nos Juízos, ou Tribunais, em que serviam, desde o momento da intimação oficial do respectivo Decreto de transferência. Se porém continuarem a exercer jurisdição depois daquela intimação, reputar-se-á terem renunciado a todo e qualquer Lugar na Magistratura Judicial, e o Governo deverá imediatamente prover o Lugar.
Art. 5.º Os Juízes de Direito de Primeira ou Segunda Instância transferidos, de que tratam os Artigos antecedentes; - os de Primeira Instância de que trata o Artigo quarto da Lei de vinte e sete de Agosto de mil oitocentos e quarenta; - e os que não estando em efectivo exercício forem despachados para Lugares vagos da sua classe no Continente do Reino, e Ilhas Adjacentes, devem entrar no exercício dos novos Lugares no prazo de trinta dias no Reino, e de sessenta nas Ilhas Adjacentes, contados da intimação oficial. Não entrando no exercício dos Lugares dentro daquele prazo, reputa-se terem renunciado a todo e qualquer Lugar na Magistratura Judicial, e o Governo proverá de novo o Lugar.
§ único. O Governo poderá, por documentos legais, e causas justificadas, espaçar este prazo.
Art. 6.° Pelo Diploma de transferência, que consistirá tão somente em uma Apostila nas respectivas Cartas, não se perceberão Direitos de Mercê, de Selo, nem Emolumentos; e não haverá juramento dos Juízes no caso de transferências, e só no de primeiras nomeações, ou despachos.
Art. 7.° Os Juízes Substitutos dos Juízes de Primeira Instância poderão ser demi-tidos pelo Governo, quando assim o exigir o bem do serviço público.
Art. 8.° Os Juízes de Direito de Primeira Instância das Províncias Ultramarinas poderão ser mudados pelo Governo de uns para outros Lugares da Magistratura Judicial, nas mesmas Províncias, do mesmo modo que os do Continente do Reino, e das Ilhas Adjacentes, em tudo o que for aplicável; e ficam sujeitos às mesmas penas estabelecidas nos Artigos quarto e quinto, nos termos dele.
§ único. O prazo de que trata o Artigo quinto será fixado pelo Governo, confor-me as distâncias.
Art. 9.° Ficam garantidas, na forma das Leis de quinze, e dezoito de Abril de mil oitocentos trinta e cinco, quatorze de Março de mil oitocentos trinta e seis, e cinco de Março de mil oitocentos trinta e oito, as Patentes dos Oficiais do Exército, Armada, e Guarda Municipal de Lisboa e Porto; mas todos precedendo informação dos respectivos Comandantes, poderão ser agregados conforme o serviço público o exigir, e em tal caso perceberão somente meio soldo, e não vencerão antiguidade.
Art. 10.º Os Professores de Instrução Superior poderão ser, pelo Governo, exo-nerados do Magistério, precedendo voto deliberativo do Conselho de Estado, quando o bem do serviço público assim o exigir.
Art. 11.º Os Professores de Instrução Primária e Secundária, poderão ser, pelo Governo, exonerados do Magistério, ouvido o Conselho Director de Instrução Primária e Secundária, quando o bem do serviço público assim o exigir.
Art. 12.° O Governo fará os Regulamentos e Instruções necessárias para a execução do presente Decreto.
Art. 13.° Fica revogada toda a Legislação em contrário.
Os Ministros e Secretários de Estado das diferentes Repartições assim o tenham entendido, e façam executar. Paço de Sintra, em o primeiro de Agosto de mil oitocentos quarenta e quatro. = RAINHA. = Duque da Terceira. = António Bernardo da Costa Cabral. = Barão do Tojal. = José Joaquim Gomes de Castro. = Joaquim José Falcão.
No Diário do Governo de 9 de Agosto N° 187.
Relatório preliminar
Senhora!
A divisão e harmonia dos Poderes Políticos do Estado é o princípio conservador dos direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias, que a Carta Constitucional da Monarquia oferece.
As garantias de classes não podem ser superiores às garantias sociais e públicas, nem deve subsistir privilégio algum particular ou de classe, quando daí resulte mal à Sociedade. Do favor concedido aos Juízes, aos Militares, e aos Professores em várias Leis esperava-se grande bem público; o bem público porém tem sido muitas vezes menos prezado, e aquele favor tem, por abuso, degenerado em princípio de desmoralização, que segundo a última lição da experiência será irremediável, se não se lhe aplicar de pronto o remédio conducente para o bem do maior número, e até para conservação da dignidade correlativa, para desempenho da verdadeira missão, para complemento do objecto, e fim de tão respeitáveis, como úteis e necessárias Classes, e também para seu próprio interesse pessoal, quando bem entendido.
Uma das primeiras obrigações do Governo, Senhora, é conter os diferentes Servidores do Estado dentro dos limites das suas atribuições, e evitar que se convertam em facções, ou desenvolvam uma ambição desmedida, e quase sempre criminosa, com des-prezo do desempenho de suas próprias ocupações públicas. Este empenho do Governo, que o é também da Nação, é nobre, é criador; conseguido ele, estabelecida fica a verdadeira harmonia entre o bem geral e o bem particular de algumas classes dela.
A importância, e conveniência do objecto por si mesma se demonstra na presença da estatística recente, nem carece à vista desta de maior desenvolvimento.
No sentido pois do bem público, e pois que não é possível deixar de prover já de remédio em objecto tão transcendente, e quão melindroso, sem o maior risco para a causa pública, e sem grave responsabilidade para o Governo, os Ministros responsáveis de Vossa Majestade, Senhora, têm a honra de submeter à Real Aprovação de Vossa Majestade o seguinte Decreto.
Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, em o 1º de Agosto de 1844. = Duque da Terceira. = António Bernardo da Costa Cabral. = Barão do Tojal. = José Joaquim Gomes de Castro. = Joaquim José Falcão
Senhora
O Presidente e Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça faltariam à religião do juramento prestado quando tomaram posse de seus cargos, e ao respeito que professam à Augusta Pessoa de Vossa Majestade, se nesta ocasião deixassem de elevar à Sua Real Presença as considerações que em seu ânimo despertou o Decreto do 1º do corrente mês publicado no Diário nº 187.
Esta resolução, que o Supremo Tribunal de Justiça hoje considera vigoroso dever seu, foi, ainda no tempo em que o Corpo Judicial era constituído segundo outra forma de Governo, tomada muitas vezes em assuntos graves por Tribunais e Juízes Portugueses: e os Augustos Precursores de Vossa Majestade louvaram tais procedimentos, e os tiveram como prova de zelo pelo Serviço Público, e respeito pelo Trono.
E por isso o Supremo Tribunal com a mais bem fundada confiança espera que Vossa Majestade se dignará de tomar o desempenho deste dever por uma prova não equívoca de interesse pela conservação da Ordem Pública, e pela estabilidade do Trono de Vossa Majestade.
Considerando pois o Decreto do 1º do presente mês na sua origem, disposições e consequências, o Supremo Tribunal de Justiça entende que a execução do mesmo Decreto, além de estabelecer um precedente incompatível com a observância da Lei Fundamental do Estado, aniquila o Poder Judicial de maneira que os direitos dos Cidadãos, perdendo o abrigo que este Poder deve prestar-lhes, ficarão flutuando à disposição do arbítrio do Poder Executivo.
A Carta Constitucional, dividindo os Poderes políticos do Estado, e prescrevendo os seus limites, distribuiu a cada um deles atribuições que não podem ser acumuladas por algum dos outros sem destruir o princípio conservador dos direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias que a Constituição oferece. Este princípio repousa essencialmente sobre aquela divisão segundo o art. 10º da mesma Carta. Consequente com esta disposição atribuiu a Carta no § 6º do art. 15º às Cortes com a sanção Real o direito de fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las; e mais cautelosa ainda, determinou que o Poder Legislativo só possa alterar o que diz respeito aos limites e atribuições de cada um dos poderes políticos do Estado pelo modo estabelecido no art. 140º e seguintes. Donde resulta que não pode haver Lei sem que provenha daquela origem, e que por isso o citado Decreto não produz obrigação de obediência, porque segundo o § 1º do art. 145º nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer, alguma coisa se não em virtude da Lei.
A independência do Pode Judicial não é um favor concedido à classe dos Juízes; é uma garantia dada à Sociedade. Sem essa garantia não é possível que o Poder Judicial preencha a alta missão que a Carta lhe confere elevando-o à categoria de Poder Político do estado. Repousa essencialmente a independência dos Juízes na sua perpetuidade, estabelecida no art. 120º; e é esta perpetuidade que o Decreto destrói, porquanto, ainda que no mesmo artigo se declare que os Juízes de Direito possam ser mudados duns para outros lugares pelo tempo e modo que a Lei determinar, dispõe o art. 122º que só por Sentença possam deles ser privados, e o Decreto do 1º do corrente, estabelecendo no art. 4º que os Juízes de 1ª ou 2ª instância intimados para transferência deixem logo os seus lugares, sob pena de entender-se haver renunciado a todo e qualquer lugar da Magistratura Judicial, se algum acto mais de jurisdição praticarem neles, não só priva os ditos Juízes de seus Cargos, mas exclui-os de ocupar outros quaisquer na Ordem Judicial. E isto sem queixa contra eles feita, sem sua prévia audiência, e do Conselho de Estado, nos termos do art. 121º, sem processo, sem sentença, e contra o direito natural produzido e aplicado na Ordenação do Reino, o qual não consente que alguém seja condenado sem ser ouvido e convencido.
A Lei regulamentar do art. 120º da Carta foi feita e publicada pelos poderes competentes, e formando uma parte complementar do mesmo artigo, só em sua conformidade podem ser transferidos os Juízes. Esta Lei não compreende os Juízes das Relações, criadas para julgarem as causas em 2ª e última instância, o que faz o Decreto, ofendendo as provisões daquela Lei. Estas provisões conformam-se com a letra e espírito da Carta, e dão à transferência um carácter de legalidade sem pôr em dúvida a competência da jurisdição, carácter que o Decreto lhe tira na transferência extraordinária dos Juízes, bem como na ordinária, porque, deixando ao arbítrio do Poder executivo o tempo e modo de verificar essa transferência, pode acontecer que este o faça de maneira que o Juiz transferido venha a desempenhar uma rigorosa comissão, o que é expressamente proibido no § 16 do art. 145º da Carta.
Além disto, aos Juízes Substitutos vem a faltar a mais essencial das suas qualificações, a independência, pois que o mesmo Decreto os declara sujeitos à demissão arbitrária do Governo.
Tais são, entre outras, as disposições dum Decreto que, afora a inconveniência das mesmas, é vicioso e nulo na sua origem.
Quanto aos seus efeitos são estes da maior transcendência em relação à ordem pública, e aos interesses e direitos individuais dos Cidadãos. Fora longo e ocioso referir a multiplicidade desses efeitos, e sua gravidade e extensão; porque seus funestos resultados não podem escapar à penetração de Vossa Majestade. Basta reflectir que pelo Decreto do 1º do corrente mês, o Poder Judicial fica por diferentes modos sujeito à discrição do Poder Executivo, e quem não pode ter vontade própria dentro da esfera das suas atribuições legais, sem incorrer em graves perigos e danos, não pode ser independente, e sem esta qualidade, indispensável ao Poder Judicial, a ordem pública ficará totalmente aniquilada.
O Supremo Tribunal de Justiça regulador da pureza e uniformidade na aplicação das Leis, tendo de conhecer das questões da competência da jurisdição que hão-de necessariamente elevar-se, se for dado à execução o Decreto, não poderá decidi-las pelas provisões exaradas nele, porque o não pode considerar como Lei, e é só da Lei que nasce a jurisdição.
O Supremo Tribunal de Justiça abstém-se de manifestar a Vossa Majestade a ilegalidade e transcendência dos resultados que várias outras disposições do Decreto relativas ao Magistério Público, e às Patentes Militares podem produzir em relação a direitos adquiridos, e à maior vantagem do serviço público; porque não julga ser rigorosamente da sua competência. Vossa Majestade não deixará de o compreender na Sua Alta Sabedoria, e profunda Meditação.
Digne-se Vossa Majestade de acolher benignamente esta singela expressão de lealdade e dever.
Deus Guarde a Augusta Pessoa de Vossa Majestade por dilatados anos como desejamos e havemos mister.
Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Agosto de 1844
O Conselheiro Presidente
José da Silva Carvalho
Joaquim António de Magalhães
Joaquim António de Aguiar
José Caetano de Paiva Leitão
António Camelo Fortes de Pina
Manuel Duarte Leitão
Manual António Velez Caldeira Castelo Branco
João Baptista Felgueiras
João Cardoso da Cunha Araújo
Luís Ribeiro de Sousa Saraiva
Basílio Cabral
João Maria de Abreu Castelhano Cardoso Melo
TOMANDO em consideração o Relatório dos Ministros e Secretários de Estado das diferentes Repartições, Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º Os Juízes de Direito de Segunda Instância das Relações de Lisboa, Porto, e Ponta Delgada, e os da Relação Comercial, poderão ser mudados pelo Governo de uma para outra Relação no Continente do Reino, e Ilhas Adjacentes, quando o exigir o serviço público, precedendo, contudo, voto deliberativo do Conselho de Estado.
Art. 2.º Os Juízes de Direito de Primeira Instância do Continente do Reino, e Ilhas Adjacentes poderão ser mudados pelo Governo de uns para outros lugares da Magistratura Judicial, logo que completarem três anos de serviço em cada Lugar.
§ 1.º Os três anos contam-se desde o dia da posse. Findos eles, o Governo poderá ordenar aos Juízes, que dêem residência.
§ 2.º Durante o tempo da residência, que deverá ser dada dentro de quatro meses, servirão em Lugar dos Juízes de Direito os seus Substitutos, os quais, além dos Emolu-mentos, vencerão a terça parte do ordenado respectivo aos Juízes de Direito, ficando estes somente com as duas terças partes até entrarem em novo exercício.
§ 3.º Nenhum Juiz poderá ser mudado, nem despachado para Lugar de sua natu-ralidade, à excepção de Lisboa e Porto.
§ 4.º Compreendem-se nas disposições deste Artigo, e dos seguintes até ao sex-to, os Juízes Criminais, ou Magistrados de Polícia Correccional, e os Juízes Comerciais.
Art. 3.º Os Juízes de Direito de Primeira Instância do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes poderão ser mudados pelo Governo nos termos do Artigo antecedente, ainda antes do prazo aí fixado:
1.º Quando o bem do serviço público assim o exigir, ouvido o Conselho de Estado.
2.º Quando os Juízes pretenderem trocar os Lugares, ou ocupar os vagos à escolha do Governo.
Art. 4.º Os Juízes de Direito de Primeira e Segunda Instância transferidos deixarão de exercer jurisdição nos Juízos, ou Tribunais, em que serviam, desde o momento da intimação oficial do respectivo Decreto de transferência. Se porém continuarem a exercer jurisdição depois daquela intimação, reputar-se-á terem renunciado a todo e qualquer Lugar na Magistratura Judicial, e o Governo deverá imediatamente prover o Lugar.
Art. 5.º Os Juízes de Direito de Primeira ou Segunda Instância transferidos, de que tratam os Artigos antecedentes; - os de Primeira Instância de que trata o Artigo quarto da Lei de vinte e sete de Agosto de mil oitocentos e quarenta; - e os que não estando em efectivo exercício forem despachados para Lugares vagos da sua classe no Continente do Reino, e Ilhas Adjacentes, devem entrar no exercício dos novos Lugares no prazo de trinta dias no Reino, e de sessenta nas Ilhas Adjacentes, contados da intimação oficial. Não entrando no exercício dos Lugares dentro daquele prazo, reputa-se terem renunciado a todo e qualquer Lugar na Magistratura Judicial, e o Governo proverá de novo o Lugar.
§ único. O Governo poderá, por documentos legais, e causas justificadas, espaçar este prazo.
Art. 6.° Pelo Diploma de transferência, que consistirá tão somente em uma Apostila nas respectivas Cartas, não se perceberão Direitos de Mercê, de Selo, nem Emolumentos; e não haverá juramento dos Juízes no caso de transferências, e só no de primeiras nomeações, ou despachos.
Art. 7.° Os Juízes Substitutos dos Juízes de Primeira Instância poderão ser demi-tidos pelo Governo, quando assim o exigir o bem do serviço público.
Art. 8.° Os Juízes de Direito de Primeira Instância das Províncias Ultramarinas poderão ser mudados pelo Governo de uns para outros Lugares da Magistratura Judicial, nas mesmas Províncias, do mesmo modo que os do Continente do Reino, e das Ilhas Adjacentes, em tudo o que for aplicável; e ficam sujeitos às mesmas penas estabelecidas nos Artigos quarto e quinto, nos termos dele.
§ único. O prazo de que trata o Artigo quinto será fixado pelo Governo, confor-me as distâncias.
Art. 9.° Ficam garantidas, na forma das Leis de quinze, e dezoito de Abril de mil oitocentos trinta e cinco, quatorze de Março de mil oitocentos trinta e seis, e cinco de Março de mil oitocentos trinta e oito, as Patentes dos Oficiais do Exército, Armada, e Guarda Municipal de Lisboa e Porto; mas todos precedendo informação dos respectivos Comandantes, poderão ser agregados conforme o serviço público o exigir, e em tal caso perceberão somente meio soldo, e não vencerão antiguidade.
Art. 10.º Os Professores de Instrução Superior poderão ser, pelo Governo, exo-nerados do Magistério, precedendo voto deliberativo do Conselho de Estado, quando o bem do serviço público assim o exigir.
Art. 11.º Os Professores de Instrução Primária e Secundária, poderão ser, pelo Governo, exonerados do Magistério, ouvido o Conselho Director de Instrução Primária e Secundária, quando o bem do serviço público assim o exigir.
Art. 12.° O Governo fará os Regulamentos e Instruções necessárias para a execução do presente Decreto.
Art. 13.° Fica revogada toda a Legislação em contrário.
Os Ministros e Secretários de Estado das diferentes Repartições assim o tenham entendido, e façam executar. Paço de Sintra, em o primeiro de Agosto de mil oitocentos quarenta e quatro. = RAINHA. = Duque da Terceira. = António Bernardo da Costa Cabral. = Barão do Tojal. = José Joaquim Gomes de Castro. = Joaquim José Falcão.
No Diário do Governo de 9 de Agosto N° 187.
Relatório preliminar
Senhora!
A divisão e harmonia dos Poderes Políticos do Estado é o princípio conservador dos direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias, que a Carta Constitucional da Monarquia oferece.
As garantias de classes não podem ser superiores às garantias sociais e públicas, nem deve subsistir privilégio algum particular ou de classe, quando daí resulte mal à Sociedade. Do favor concedido aos Juízes, aos Militares, e aos Professores em várias Leis esperava-se grande bem público; o bem público porém tem sido muitas vezes menos prezado, e aquele favor tem, por abuso, degenerado em princípio de desmoralização, que segundo a última lição da experiência será irremediável, se não se lhe aplicar de pronto o remédio conducente para o bem do maior número, e até para conservação da dignidade correlativa, para desempenho da verdadeira missão, para complemento do objecto, e fim de tão respeitáveis, como úteis e necessárias Classes, e também para seu próprio interesse pessoal, quando bem entendido.
Uma das primeiras obrigações do Governo, Senhora, é conter os diferentes Servidores do Estado dentro dos limites das suas atribuições, e evitar que se convertam em facções, ou desenvolvam uma ambição desmedida, e quase sempre criminosa, com des-prezo do desempenho de suas próprias ocupações públicas. Este empenho do Governo, que o é também da Nação, é nobre, é criador; conseguido ele, estabelecida fica a verdadeira harmonia entre o bem geral e o bem particular de algumas classes dela.
A importância, e conveniência do objecto por si mesma se demonstra na presença da estatística recente, nem carece à vista desta de maior desenvolvimento.
No sentido pois do bem público, e pois que não é possível deixar de prover já de remédio em objecto tão transcendente, e quão melindroso, sem o maior risco para a causa pública, e sem grave responsabilidade para o Governo, os Ministros responsáveis de Vossa Majestade, Senhora, têm a honra de submeter à Real Aprovação de Vossa Majestade o seguinte Decreto.
Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, em o 1º de Agosto de 1844. = Duque da Terceira. = António Bernardo da Costa Cabral. = Barão do Tojal. = José Joaquim Gomes de Castro. = Joaquim José Falcão
Senhora
O Presidente e Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça faltariam à religião do juramento prestado quando tomaram posse de seus cargos, e ao respeito que professam à Augusta Pessoa de Vossa Majestade, se nesta ocasião deixassem de elevar à Sua Real Presença as considerações que em seu ânimo despertou o Decreto do 1º do corrente mês publicado no Diário nº 187.
Esta resolução, que o Supremo Tribunal de Justiça hoje considera vigoroso dever seu, foi, ainda no tempo em que o Corpo Judicial era constituído segundo outra forma de Governo, tomada muitas vezes em assuntos graves por Tribunais e Juízes Portugueses: e os Augustos Precursores de Vossa Majestade louvaram tais procedimentos, e os tiveram como prova de zelo pelo Serviço Público, e respeito pelo Trono.
E por isso o Supremo Tribunal com a mais bem fundada confiança espera que Vossa Majestade se dignará de tomar o desempenho deste dever por uma prova não equívoca de interesse pela conservação da Ordem Pública, e pela estabilidade do Trono de Vossa Majestade.
Considerando pois o Decreto do 1º do presente mês na sua origem, disposições e consequências, o Supremo Tribunal de Justiça entende que a execução do mesmo Decreto, além de estabelecer um precedente incompatível com a observância da Lei Fundamental do Estado, aniquila o Poder Judicial de maneira que os direitos dos Cidadãos, perdendo o abrigo que este Poder deve prestar-lhes, ficarão flutuando à disposição do arbítrio do Poder Executivo.
A Carta Constitucional, dividindo os Poderes políticos do Estado, e prescrevendo os seus limites, distribuiu a cada um deles atribuições que não podem ser acumuladas por algum dos outros sem destruir o princípio conservador dos direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias que a Constituição oferece. Este princípio repousa essencialmente sobre aquela divisão segundo o art. 10º da mesma Carta. Consequente com esta disposição atribuiu a Carta no § 6º do art. 15º às Cortes com a sanção Real o direito de fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las; e mais cautelosa ainda, determinou que o Poder Legislativo só possa alterar o que diz respeito aos limites e atribuições de cada um dos poderes políticos do Estado pelo modo estabelecido no art. 140º e seguintes. Donde resulta que não pode haver Lei sem que provenha daquela origem, e que por isso o citado Decreto não produz obrigação de obediência, porque segundo o § 1º do art. 145º nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer, alguma coisa se não em virtude da Lei.
A independência do Pode Judicial não é um favor concedido à classe dos Juízes; é uma garantia dada à Sociedade. Sem essa garantia não é possível que o Poder Judicial preencha a alta missão que a Carta lhe confere elevando-o à categoria de Poder Político do estado. Repousa essencialmente a independência dos Juízes na sua perpetuidade, estabelecida no art. 120º; e é esta perpetuidade que o Decreto destrói, porquanto, ainda que no mesmo artigo se declare que os Juízes de Direito possam ser mudados duns para outros lugares pelo tempo e modo que a Lei determinar, dispõe o art. 122º que só por Sentença possam deles ser privados, e o Decreto do 1º do corrente, estabelecendo no art. 4º que os Juízes de 1ª ou 2ª instância intimados para transferência deixem logo os seus lugares, sob pena de entender-se haver renunciado a todo e qualquer lugar da Magistratura Judicial, se algum acto mais de jurisdição praticarem neles, não só priva os ditos Juízes de seus Cargos, mas exclui-os de ocupar outros quaisquer na Ordem Judicial. E isto sem queixa contra eles feita, sem sua prévia audiência, e do Conselho de Estado, nos termos do art. 121º, sem processo, sem sentença, e contra o direito natural produzido e aplicado na Ordenação do Reino, o qual não consente que alguém seja condenado sem ser ouvido e convencido.
A Lei regulamentar do art. 120º da Carta foi feita e publicada pelos poderes competentes, e formando uma parte complementar do mesmo artigo, só em sua conformidade podem ser transferidos os Juízes. Esta Lei não compreende os Juízes das Relações, criadas para julgarem as causas em 2ª e última instância, o que faz o Decreto, ofendendo as provisões daquela Lei. Estas provisões conformam-se com a letra e espírito da Carta, e dão à transferência um carácter de legalidade sem pôr em dúvida a competência da jurisdição, carácter que o Decreto lhe tira na transferência extraordinária dos Juízes, bem como na ordinária, porque, deixando ao arbítrio do Poder executivo o tempo e modo de verificar essa transferência, pode acontecer que este o faça de maneira que o Juiz transferido venha a desempenhar uma rigorosa comissão, o que é expressamente proibido no § 16 do art. 145º da Carta.
Além disto, aos Juízes Substitutos vem a faltar a mais essencial das suas qualificações, a independência, pois que o mesmo Decreto os declara sujeitos à demissão arbitrária do Governo.
Tais são, entre outras, as disposições dum Decreto que, afora a inconveniência das mesmas, é vicioso e nulo na sua origem.
Quanto aos seus efeitos são estes da maior transcendência em relação à ordem pública, e aos interesses e direitos individuais dos Cidadãos. Fora longo e ocioso referir a multiplicidade desses efeitos, e sua gravidade e extensão; porque seus funestos resultados não podem escapar à penetração de Vossa Majestade. Basta reflectir que pelo Decreto do 1º do corrente mês, o Poder Judicial fica por diferentes modos sujeito à discrição do Poder Executivo, e quem não pode ter vontade própria dentro da esfera das suas atribuições legais, sem incorrer em graves perigos e danos, não pode ser independente, e sem esta qualidade, indispensável ao Poder Judicial, a ordem pública ficará totalmente aniquilada.
O Supremo Tribunal de Justiça regulador da pureza e uniformidade na aplicação das Leis, tendo de conhecer das questões da competência da jurisdição que hão-de necessariamente elevar-se, se for dado à execução o Decreto, não poderá decidi-las pelas provisões exaradas nele, porque o não pode considerar como Lei, e é só da Lei que nasce a jurisdição.
O Supremo Tribunal de Justiça abstém-se de manifestar a Vossa Majestade a ilegalidade e transcendência dos resultados que várias outras disposições do Decreto relativas ao Magistério Público, e às Patentes Militares podem produzir em relação a direitos adquiridos, e à maior vantagem do serviço público; porque não julga ser rigorosamente da sua competência. Vossa Majestade não deixará de o compreender na Sua Alta Sabedoria, e profunda Meditação.
Digne-se Vossa Majestade de acolher benignamente esta singela expressão de lealdade e dever.
Deus Guarde a Augusta Pessoa de Vossa Majestade por dilatados anos como desejamos e havemos mister.
Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Agosto de 1844
O Conselheiro Presidente
José da Silva Carvalho
Joaquim António de Magalhães
Joaquim António de Aguiar
José Caetano de Paiva Leitão
António Camelo Fortes de Pina
Manuel Duarte Leitão
Manual António Velez Caldeira Castelo Branco
João Baptista Felgueiras
João Cardoso da Cunha Araújo
Luís Ribeiro de Sousa Saraiva
Basílio Cabral
João Maria de Abreu Castelhano Cardoso Melo