26 dezembro 2008

 

Papeis velhos e desactualizados na passagem para 2009 (sistema de justiça penal)

A recente assunção pelo sistema penal de uma solução de impunidade efectiva da utilização de facturas falsas no âmbito de relações tributárias, durante um longo período de tempo em esquemas institucionalizados e com tentáculos vários, não derivou de uma lei de amnistia (embora tivesse havido uma tentativa frustrada pela pressão mediática em 1994) mas da incapacidade das instâncias formais de controlo responsáveis pela repressão criminal (administração fiscal, polícias, Ministério Público e tribunais) em lidarem com o fenómeno, articulada com uma «verdadeira produção artificiosa de ‘opiniões dominantes’» (de acordo com a fórmula impressiva que Schünemann utilizou para caracterizar uma situação paralela ocorrida na Alemanha também nos anos 90), o que, designadamente, determinou uma radical alteração de jurisprudência a partir do momento em que foram perseguidos agentes com maior competência de acção.
Insucessos recentes da justiça penal em matéria fiscal que constituem uma lição importante por força da dimensão socio-mediática que tiveram, pois reforçaram a propagação da ideia de uma justiça desigual, que ainda obedece à perspectiva individualista do sec. XIX no sentido de que o crime é o produto da personalidade contrária ao direito e que em Portugal subsistiu até ao último quartel do séc. XX, ou seja um direito da marginalidade social, que importado para o séc. XXI não só obsta à perseguição penal efectiva das modernas formas de criminalidade como põe em causa a própria legitimidade da perseguição penal da designada criminalidade clássica.
A criminalidade fiscal está no centro desse problema pelo que a ausência de repressão efectiva serve como factor de legitimação das críticas daqueles que já defendem que as regras jurídicas estribadas no princípio do Estado de Direito servem essencialmente como cobertura para a manutenção das estruturas de poder e da desigualdade social num contexto em que se assiste a uma progressiva deterioração da defesa do interesse público.
(Maio de 2002)

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