17 fevereiro 2009

 

O casamento dos homossexuais

Em relação ao casamento de homossexuais que o Partido Socialista resolveu inscrever à pressa no seu programa eleitoral para as próximas eleições, oferece-se-me dizer o seguinte:
É evidente que a consagração legal do casamento de homossexuais implica uma revolução de cento e oitenta graus na concepção que tem dominado, de há séculos, as nossas ideias acerca do casamento e a disciplina jurídica em que ele assenta, implicando, em termos modernos, um contrato entre duas pessoas de sexo diferente com vista à constituição de família (pelo menos na linha da tradição europeia ocidental).
No entanto, o casamento, não obstante a permanência desta ideia básica de união entre pessoas de sexo diferente, sofreu profundas alterações sociológicas e mesmo ideológicas com o decorrer dos tempos, e uma dessas alterações, característica da época contemporânea, foi a deslocação do seu centro de gravidade da procriação para o de projecto comum de vida entre dois seres que se amam e que procuram a sua realização mútua através dessa união, implicando ou não a existência de filhos. O que é certo é que a procriação deixou de ser o fim principal do casamento, embora esse seja um dos objectivos normais para que tende a união conjugal. O casamento entre homossexuais deriva o seu fundamento de uma idêntica pretensão de reconhecimento legal do direito de dois seres do mesmo sexo a unirem as suas vidas num projecto comum baseado no amor, não sendo este exclusivo dos casais heterossexuais, e a verem consagrados os direitos que a lei dispensa aos casados, com excepção, naturalmente, daqueles que resultam da especificidade dessa relação. A não discriminação das pessoas em função da orientação sexual é o eixo que comanda a referida pretensão, encontrando na Constituição o seu fundamento legitimador. Nada, pois, que seja do outro mundo, sendo certo que a realidade não é imutável e que o casamento, como qualquer outro facto da vida social e jurídica, não tem que permanecer idêntico, pese embora a existência de formas que parecem ter cristalizado no tempo. Não sei é se o casamento, implicando uma tal transformação de concepções e formas sedimentadas, será mesmo a única via de os homossexuais obterem uma substancial igualdade de direitos, por similitude com o casamento heterossexual.
Do ponto de vista da Igreja Católica, a sua reacção, sem prejuízo da defesa das suas concepções, parece-me incongruente. Com efeito, a Igreja nem sequer reconhece o casamento civil. Para ela, os casados civilmente são “amancebados” e vivem em união ilegítima, quiçá, em pecado mortal. Ora, sendo assim, não haverá diferença substancial entre um casamento heterossexual, realizado à margem do direito canónico, e um casamento homossexual, que nunca pode ser realizado por essa via. Ambos são casamentos ilegítimos ou até “não casamentos” do ponto de vista da doutrina católica e dos dogmas em que ela assenta. Porventura será só o aspecto aberrante, para a Igreja, de à ilegitimidade se juntar uma união considerada “contra natura”, que nunca poderá conduzir à procriação, fim essencial do casamento segundo o seu ponto de vista. Porém, essa é uma concepção, partilhada certamente por muitos não católicos, mas uma concepção que não pode ter a pretensão de exclusividade, supostamente derivada de uma ordem natural. O múnus da Igreja, aqui, como noutros aspectos, esgotar-se-á em pregar a sua doutrina aos crentes e fazer com que eles trilhem os caminhos traçados pelo seu apostolado e, se o conseguir, dentro e fora da hierarquia, cumpre plenamente a sua missão e até pode dar muitas graças a Deus.
Do ponto de vista do Partido Socialista, esta súbita atracção por um tema que toca uma franja relativamente diminuta da sociedade portuguesa não passa de oportunismo político. Sobretudo porque, na definição do seu secretário-geral, o Partido Socialista é o Partido Popular da Esquerda Moderada (o que quer que isso seja). Ora, este tema nem é popular, nem é da esquerda moderada. É apenas, segundo creio, uma forma travestida com que o partido pretende apresentar uma máscara de vanguardismo, para assinalar ainda o seu lugar numa Esquerda ciosa de causas fracturantes, para continuar a merecer o nome de Esquerda.





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