14 fevereiro 2009
Sena e Mozart
Permitam-me que regresse a este blogue evocando simultaneamente uma grande música de Mozart e dois sonetos de Jorge de Sena a ela alusivos, extraídos do livro A Arte da Música. Tenho ouvido aquela e lido estes incansavelmente. Conquanto que o motivo da evocação seja subjectivo, não podemos negar o alto valor cultural e estético da peça musical, que aqui não posso reproduzir, mas que todos ou quase todos terão presente, e dos poemas do nosso poeta-filósofo, que, se calhar, nem todos conhecerão ou de que já se não lembrarão.
“REQUIEM” DE MOZART
I
Ouço-te, ó música, subir aguda
à convergente solidão gelada.
Ouço-te, ó música, chegar desnuda
ao vácuo centro, aonde, sustentada
e da esférica treva rodeada,
tu resplandeces e cintilas muda
como o silente gesto, a mão espalmada
por sobre a solidão que amante exsuda
e lacrimosa escorre pelo espaço
além de que só luz grita o pavor.
Ouço-te lá pousada, equidistante
desse clarão cuja doçura é de aço
como de frágil mas potente amor
que em teu ouvir-te queda esvoaçante.
(16/4/1962)
II
Ó música da morte, ó vozes tantas
e tão agudas, que o estertor se cala.
Ó música da carne amargurada
de tanto ter perdido que ora esquece.
Ó música da morte, ah quantas, quantas
mortes gritaram no que em ti não fala.
Ó música da mente espedaçada
de tanto ter sonhado o que entretece
sem cor e sem sentido, no fervor
de sublimar-se nesse além que és tu.
Ó vida feita uma detida morte.
Ó morte feita um inocente amor.
Amor que as asas sobre o corpo nu
fecha tranquilas no possuir da sorte.
(16/4/62)
“REQUIEM” DE MOZART
I
Ouço-te, ó música, subir aguda
à convergente solidão gelada.
Ouço-te, ó música, chegar desnuda
ao vácuo centro, aonde, sustentada
e da esférica treva rodeada,
tu resplandeces e cintilas muda
como o silente gesto, a mão espalmada
por sobre a solidão que amante exsuda
e lacrimosa escorre pelo espaço
além de que só luz grita o pavor.
Ouço-te lá pousada, equidistante
desse clarão cuja doçura é de aço
como de frágil mas potente amor
que em teu ouvir-te queda esvoaçante.
(16/4/1962)
II
Ó música da morte, ó vozes tantas
e tão agudas, que o estertor se cala.
Ó música da carne amargurada
de tanto ter perdido que ora esquece.
Ó música da morte, ah quantas, quantas
mortes gritaram no que em ti não fala.
Ó música da mente espedaçada
de tanto ter sonhado o que entretece
sem cor e sem sentido, no fervor
de sublimar-se nesse além que és tu.
Ó vida feita uma detida morte.
Ó morte feita um inocente amor.
Amor que as asas sobre o corpo nu
fecha tranquilas no possuir da sorte.
(16/4/62)