23 abril 2010

 

Onde estavas Tu?


Jaime Nogueira Pinto escreveu, no passado dia 20, um artigo no “I”, cheio de justa cólera, sobre os casos de “pedofilia” na Igreja, a que deu o título de “O silêncio de Deus”. A certa altura, assumindo a responsabilidade de «partilhar a consciência e consequência do pecado e do crime deles» ⌠”sacerdotes pedófilos”⌡, ocorria-lhe a ideia de «perguntar onde estava Deus na hora em que esses maus pastores, abusando e pervertendo o que há de mais sagrado, abusaram da autoridade, da condição e do carisma e, acima de tudo, da confiança que leva uma criança ou um jovem a olhar o padre como um pai.»
É compreensível esta angústia do articulista, mas já começa a pesar demasiado, no discurso de certos crentes, esta interpelação de Deus sobre a Sua ausência nos momentos mais dolorosos para a humanidade e nos crimes mais hediondos que se cometem. O próprio Papa João Paulo II, diante do muro das lamentações em Jerusalém, por ocasião de uma visita, apostrofava Deus dramaticamente, perguntando onde estava Ele quando se cometeram os horríveis crimes do Holocausto. “Onde estavas Tu?”
Significará isto que a crença incorpora em si também a descrença? Que mesmo os mais altos dignitários da Igreja têm os seus momentos de dúvida e começam a desconfiar de tanto silêncio e de tanta ausência de Deus? E querem acordá-lo do Seu sono profundo, interpelando-o sobre o Seu lugar nos acontecimentos trágicos, que é como quem diz, sobre a Sua responsabilidade nesses acontecimentos? Sim, porque perguntar “onde estavas Tu?”, equivale a perguntar “Estavas a dormir?”, ou, mais filosoficamente, “Qual é o significado da Tua ausência?” Assim como, segundo Saramago (sim, Saramago), que, numa entrevista recente, disse que «não há ateus absolutos», também não há crentes absolutos. O próprio Cristo, momentos antes de expirar na cruz, teve o seu momento de ateísmo: “Pai, pai, porque me abandonaste?” Afinal, foi ele o primeiro a questionar a ausência de Deus Pai. Escreve o filósofo Slavoj Zizeck, em A Monstruosidade de Cristo (titulo que não corresponde ao que aparenta e é, sobretudo, a referência a uma frase de Hegel): «No seu “Pai, porque me abandonaste?”, o próprio Cristo comete o que é o pecado supremo aos olhos de um cristão: vacila na sua Fé.»





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