02 maio 2010
O taxista
Isto está de tal ordem, que eu nem lhe digo. É uma lástima. É quem mais rouba. Os bancos. Veja os bancos. Fazem falcatruas, abotoam-se com o dinheiro dos clientes e, ainda por cima, recebem dinheiro do Estado, quer dizer, somos nós a pagar. Acha bem? Anda para aqui um gajo a trabalhar, que se esfola, e não consegue sair da cepa torta, e estes gajos da finança e do carago a enriquecer à nossa custa. E não são só os da finança. Isto vai para aí uma corrupção! Os do próprio governo e gente ligada ao governo… Bem deixa-me estar calado. Eu não sei o que é que o senhor pensa, mas veja o processo da Face Oculta, as ligações destes gajos com gente bem colocada nas altas esferas. Isto não dá nada, já sei. Dá vontade de um gajo mandar às urtigas o resto de honestidade que ainda tem e fazer na mesma. O senhor pode pensar que eu… mas não, sou muito sério. Quer dizer, tenho a mania de ser sério. Conheço muito colega meu que é capaz de aproveitar um frete para se pôr aí às voltas pela cidade até chegar ao destino, sobretudo se topa que o cliente não é de cá. O senhor, por acaso, também não é de cá, pois não? Conheci logo pela pronúncia. Vi logo que era lá de cima do Norte. Pois, muito colega meu era capaz de se pôr para aí às voltinhas, mas eu não; vou pelo caminho mais directo. Sou assim, que é que quer? Sou filho de polícia. Não sou “filho da polícia”, como se costuma dizer, que nem sei bem por que é se diz isso. O meu pai habituou-me a ser cumpridor das regras, a levar tudo muito direitinho. Era muito severo. E eu não sou capaz de ser de outra maneira, que é que quer? Ainda há bocado, não sei se o senhor reparou, eu acelerei pela Avenida acima, para apanhar os sinais todos abertos. Reparou? E o certo é que fizemos a Avenida toda sem parar. Outro qualquer colega meu era capaz de se pôr para aí a engonhar, na mira de alguns sinais caírem e passarem a vermelho. Só para fazer render mais a corrida. Depois quem pagava era o senhor. Eu não, não sou capaz. Não faço nada que não seja a bem do cliente. Mas olhe que dá vontade … dá vontade… sei lá de quê? Olhe, de ser espertalhaço como esses gajos todos. Quando a gente vê o que vai por aí, a começar por essa malta do… Bem, deixa-me estar calado. Isto vai par aí uma roubalheira e uma corrupção! Poucos se safam. Às vezes digo cá para mim: “És um lorpa!” Mas não, arrependo-me logo, que eu não sou capaz de ser senão um gajo direitinho, cumpridor. Filho de polícia! Olhe, ainda há bocado, vinha aí uma senhora sentada (aí atrás, onde vai o senhor), uma senhora toda queque; quando ia a sair, eu reparei que estava uma moeda de 1 euro em cima do assento. E digo eu à senhora: “Olhe aquela moeda, minha senhora.” E ela olhou para o assento: “Ah!... muito obrigado.” Pegou na moeda e saiu. Depois, pensei cá para comigo que aquela moeda podia até nem ser da senhora e ela ter aproveitado a oportunidade para fazer de conta que era dela e metê-la ao bolso. Está a ver? Não consigo ser doutra maneira. Até podia ficar muito caladinho e abarbatar o euro para mim. Sei lá se ela era séria ou se não era séria. Hoje em dia ninguém pode confiar em ninguém.