16 junho 2011

 

Carta ao Director do blogue

Ex.mo Senhor Director do blogue sine die:

Sou um leitor do seu blogue e aprecio muito certos textos que lá vêm publicados. Porém, há um V/ colaborador, que se esconde sob o pseudónimo de “Jonathan Swift”, que pretende ter humor, mas, com franqueza, a maior parte das vezes não lhe acho graça nenhuma.
Desta última vez, esse tal colaborador escreveu um texto intitulado “Elogio da troika”, onde me parece meter a ridículo o trabalho, sem dúvida meritório, das qualificadas personalidades que vieram ao nosso país analisar a nossa situação, com vista a viabilizar a ajuda internacional por nós (repito: por nós) solicitada. Esta circunstância bastaria para que esse senhor se abstivesse de fazer humor com o caso. Melhor: de tentar fazer humor, visto que o seu texto não passa de uma grotesca tentativa. Ainda por cima, distorce a realidade, inverte as situações, dando uma imagem do Memorando da troika demasiado esquemática e tratando os altos representantes do FMI, do BCE e da Comissão Europeia de uma forma que eu diria descortês.
Há, porém, uma parte desse texto que me desagrada solenemente. È aquela parte em que o V/ anónimo colaborador aflora a questão da justiça. Aí ele tenta transmitir a ideia que o Memorando, em duas penadas e um tanto à vol d’oiseau, meteu as mãos num domínio que talvez escapasse às suas competências técnicas, gizando um plano para desbloquear a justiça que nunca nenhum governo, comissão ou partido conseguiram realizar com eficácia. O que ele não goza com a situação, socorrendo-se de recursos já muito conhecidos, como a hipérbole, a ironia e o sarcasmo!
Ora, não há dúvida de que os “senhores da troika”, para usar a expressão falsamente reverencial que ele usa, são técnicos e, sendo técnicos, não são sequer juristas. Porém, o V/ colaborador esquece, em primeiro lugar, que o problema da justiça em Portugal tem importantíssimas repercussões económicas, principalmente pelo grande número de acções e execuções pendentes, onde está em causa muito dinheiro, e só isso conferiria à troika motivo suficiente para ela intervir nesta área. É certo que esta, no Memorando, ultrapassou bastante esse aspecto e meteu-se em questões como as do mapa judiciário e foi ao ponto de traçar metas para pôr cobro à pendência processual, dir-se-ia que ignorando a real situação do sector e assumindo competências próprias da gestão dos tribunais.
Porém e em segundo lugar, o V/ colaborador parece que não sabe (ou finge não saber) que com a troika colaboraram alguns dos mais reputados técnicos do nosso país, para além de representantes dos vários partidos (os do arco do poder, evidentemente, porque os partidos radicais e de protesto, como era esperado, puseram-se de fora). E também colaboraram membros do governo, nomeadamente os responsáveis dos vários sectores e, entre eles, também da área da justiça, e estes não podiam deixar de informar a troika com toda a minúcia dos problemas do respectivo sector.
Em terceiro lugar, a questão da justiça foi muito bem metida no Memorando, não só pelas razões que já adiantei, como, sobretudo, porque as corporações judiciárias, nas quais, felizmente me não incluo, porque sou um simples advogado, precisam de ficar «amarradas» por um qualquer instrumento que, de fora, as constranja a ter de aceitar uma intervenção na área, sem que possam alegar prerrogativas próprias ligadas às sempre invocadas características de independência e autogoverno do poder judicial. A maneira engenhosa de conseguir esse objectivo foi aproveitar a oportunidade da presença da troika no nosso país. De ora avante, poder-se-á dizer: «Está no Memorando. Foi a troika que o impôs.» E isso basta. Basta a invocação da suprema autoridade da troika, ou seja das imposições que nos são feitas de fora para que possamos aceder à ajuda monetária internacional, para que ninguém ouse levantar reservas ou opor obstáculos. Foi a troika, dirão os governantes, como se houvesse uma força incontestável acima deles, e está tudo dito. Nisso, os nossos negociadores foram também muito hábeis.
Ora, o V/ colaborador esquece tudo isto, demonstrando que «está completamente a leste» (passe a expressão) desta problemática. Ignoro o que ele faz na vida, mas também pouco me importa.
O que me interessa pôr em relevo, Sr. Director, é que textos como o que critico empalidecem (e muito) a imagem do V/ blogue.

Sem outro assunto, subscrevo-me
Atentamente

Policarpo das Neves





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