26 março 2012

 

A intervenção policial vista por outros olhos

Com a devida vénia, aqui se publica a crónica de Manuel António Pina, intitulada 50 anos depois.

50 anos depois
Colette Magny cantou-os chamando-lhes "les gens de la moyenne": "Os estudantes manifestaram-se,/ foram seviciados pela Polícia/ (..) em Lisboa, Portugal". Foi a 24 de Março de 1962, em plena ditadura, quando a Polícia de Choque atacou com grande violência estudantes que se manifestavam em Lisboa, dando origem à primeira das "crises académicas" (a segunda seria sete anos depois, em Coimbra) que abalaram os alicerces do regime salazarista.
Escreveu Marx que a História acontece como tragédia e se repete como farsa. 50 anos passados sobre esse episódio (e 38 anos sobre o 25 de Abril...), a Polícia de Choque mudou de nome para Corpo de Intervenção mas não parece ter mudado de métodos: violência e recurso a agentes provocadores para a justificar. E a ditadura é hoje uma farsa formalmente democrática - um "caos com urnas eleitorais", diria Borges - em que é suposto existirem direito à greve e à manifestação.
Quem viu na TV a imagem de um homem ensanguentado gritando "Liberdade! Liberdade!" em direcção à tropa do dr. Miguel Macedo que, como em 24 de Novembro último, espancou
selvaticamente jovens que, em vez de acatarem o conselho do primeiro-ministro e emigrarem, se manifestaram na quinta-feira em Lisboa, não pode deixar de descobrir afinidades (até nas agressões a jornalistas e nos comunicados oficiais falando de "ordem e segurança" e culpando as vítimas) com o que aconteceu há 50 anos. E de inquietar-se.


Manuel António Pina
Jornal de Notícias
26/03/2012





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