07 junho 2012
O défice de flexibilização
A troika, em mais uma inspecção,
veio dar-nos mais um certificado de bom comportamento. Tudo vai bem,
felizmente. Com um senão. É preciso “flexibilizar” ainda mais o mercado de
trabalho para tornar ainda mais competitiva a nossa produção. “Flexibizar”! Aí
está a expressão terrorista, disfarçada num verbo ondulante, maleável e
embusteiro. Do que se trata, na crua realidade das coisas, é de desmembrar
ainda mais a já espatifada legislação laboral, dando cabo do que ainda resta de
protecção aos trabalhadores. Não satisfeita com os progressos conseguidos na
destruição dos direitos laborais (implicando a completa desfiguração da
Constituição nessa área), a troika quer mais “flexibilização”, isto é, reduzir
a cinzas o que ainda continua a fazer resistência a uma completa submissão do
trabalho assalariado às exigências do capital (perdão: do mercado). É essa
“coisinha”, esse “grãozinho de areia” que importa remover para a máquina
funcionar em pleno (isto é, para
completar a obra de transferência forçada de capitais das classes assalariados e das classes médias
de trabalho dependente, do sector
empresarial do Estado e, em geral do sector público que tem potencialidades
para dar lucro) para as mãos invisíveis, mas sôfregas, de quem detém (seja a
nível global, seja a nível regional ou nacional) as alavancas do poder
económico.
Para dar um empurrão sério à
questão, o nosso celebrado economista António Borges, ex-vice- presidente do
Conselho de Administração do Banco Goldeman
Sachs International (tão falado a propósito da “bolha imobiliária”,
pressupostamente causadora da crise actual), director do Departamento Europeu
do Fundo Monetário Internacional e actualmente, também, conselheiro para as
privatizações das empresas do nosso sector público, veio dizer que era urgente,
que era imperioso, baixar os salários dos trabalhadores, em nome da tal
“flexibilização”. Bravo!
Há uma coisa, no entanto, que,
sendo da troika, não deixa de ser comovente: ela pede que o Estado lute sem
tréguas contra os interesses instalados no sector da electricidade. Assim
reflecte um espírito equânime: ela não é só contra os interesses instalados na
área laboral, mas também contra os interesses instalados dos senhores que
governam a nossa energia eléctrica.