07 junho 2012

 

Os tribunais, segundo Conceição Gomes

Já aqui fiz o elogio do Dicionário das crises e das alternativas. É, reafirmo, uma obra de leitura fundamental, pela alternativa (democrática) que constitui ao pensamento dominante. Mas no melhor pano cai a nódoa. Lendo, quase no fim, a entrada “Tribunais”, deparo-me com este texto, subscrito por Conceição Gomes, ilustre coordenadora do Observatório Permanente de Justiça, e que aliás assina dois excelentes textos no mesmo Dicionário sobre “Criminalidade “ e “Direito”, que transcrevo na íntegra, para melhor compreensão do que direi em seguida: “A Constituição declara os tribunais como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-os de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Porém, para os cidadãos, os tribunais são cada vez menos um lugar de defesa e de afirmação dos seus direitos. Len-tos, burocráticos e distantes, tratando de forma desigual ricos e pobres, estão a tornar-se cada vez menos relevantes em face de um direito negado ou ameaçado. São, na verdade, estas as perceções que a maioria dos cidadãos portugueses tem dos tribunais e que os estudos e indicadores estatísticos confirmam. Avassalados por uma massa de processos de dívida e de crimes rodoviários, os tribunais não encontram espaço para responderem, em tempo e com qualidade, aos cidadãos que os demandam contra quem ofendeu o seu corpo, o seu nome, a sua propriedade, os seus direitos de trabalhador, o seu direito a receber uma indemnização em consequência de um acidente ou uma pensão de alimen-tos, etc. Esta condição de fraqueza dos tribunais portugueses tende a agravar-se no atual quadro dominado pela crise financeira, sobretudo ao serem privilegiadas reformas que visam aumentar a celeridade dos tribunais, reconduzida à produtividade, aquela que melhor serve os litígios de dívida. A maioria das reformas políticas pouca atenção dá à necessidade de dotar o sistema de justiça de condições que lhe permitam uma tutela efetiva dos direitos dos cidadãos. A alteração desta tendência depende muito da posição que o poder judicial vier a adotar. Num tempo de mais precariedade laboral e de mais desigualdades sociais, de múltiplas ameaças aos direitos, de novos riscos públicos, de aumento da corrupção, os cidadãos esperam dos tribunais uma via segura para, em tem-po, fazerem valer direitos, individuais ou coletivos. Poderão contar os cidadãos portu-gueses com os seus tribunais? Se for possível no futuro responder afirmativamente a esta questão, então os tribunais portugueses terão sabido encontrar o seu lugar na nossa democracia.” Neste juízo condenatório a que Conceição Gomes procede dos tribunais portugueses, mostra-se ela também prisioneira, o que não seria de esperar de uma socióloga especializada na matéria, dos estereótipos dominantes. Vejamos. Começa por afirmar que os tribunais tratam de forma desigual os cidadãos. Com isso sugere, ou sustenta mesmo, que os cidadãos entram iguais nos tribunais e lá são tratados desigualmente, discriminados em função do seu grau de riqueza! Ora, como Conceição Gomes não ignora, nem poderia ignorar, os cidadãos não entram nos tribunais em condições de igualdade! Os ricos têm um maior poder de intervenção processual do que os pobres! Têm melhores advogados, têm mais dinheiro para gastar/arriscar em recursos, reclamações, etc. Os tribunais não discriminam. Aliás, se discriminação fazem é positiva, ou seja, procuram geralmente corrigir as desigualdades entre as partes. Isso é particularmente notório nas jurisdições laboral e de menores, e também, até certo ponto na penal. Mas é claro que não cabe aos tribunais ir além disso e corrigir todas as desigualdades. É no âmbito do acesso ao direito que as desigualdades no processo podem e devem ser combatidas! Aliás, nada disto Conceição Gomes pode ignorar e, por isso, se estranha aquela afirmação. Outra afirmação surpreendente é a de que os tribunais dão preferência aos pro-cessos de indemnizações por dívidas e por crimes rodoviários sobre os processos por ressarcimento por ofensas corporais, ofensas ao nome, à propriedade, aos direitos como trabalhador, a indemnização por acidente de trabalho, ou pensão de alimentos… Sendo geralmente estes processos tramitados em tribunais diferentes, devido à especialização, não se compreende bem a referência à “falta de espaço” dos tribunais para estas últimas ações. Será que nos tribunais de competência genérica é assim? É uma tendência gene-ralizável a todo o país? Será uma opção ideológica dos magistrados? Ou serão os condi-cionamentos legislativos/processuais que a isso conduzem? De quem é a culpa, se culpa existe de alguém? Bem, parece que o legislador tem algumas culpas no cartório, porque se reco-nhece que as reformas políticas dão pouca atenção à tutela efetiva dos direitos dos cida-dãos, e mais à cobrança de dívidas… Se é assim, convém não misturar alhos com bugalhos, falando genericamente, e confusamente, da “fraqueza” dos tribunais… Por último, diz Conceição Gomes que os cidadãos esperam, nesta época de crise, etc., uma via segura para fazerem valer os seus direitos. E pergunta enfaticamente: “Poderão contar os cidadãos portugueses com os seus tribunais?” Pergunto eu: “Poderão os cidadãos portugueses contar com um patrocínio adequando das suas pretensões? Têm à sua disposição uma estrutura adequada de acesso ao direito e aos tribunais? Podem contar com uma advocacia disponível, ativa e competen-te na defesa dos seus direitos? Podem esperar uma reforma das custas judiciais que favoreça o pleiteamento de causas justas?” E pergunto mais: “Estão os cidadãos portugueses dispostos a constituírem associações de defesa eficaz dos direitos coletivos e universais? Estão disponíveis para intervirem em ações populares? Perder tempo e energias nessa litigância, em prejuízo dos também justificados tempos de lazer?” E termino perguntando: “Poderão os tribunais portugueses contar com os cidadãos?” Enfim, tantas perguntas… Para quando as respostas?... Uma coisa parece certa: as coisas são mais complexas do que parece pensar Conceição Gomes (que não pensa certamente, mas às vezes cai-se no facilitismo e na demagogia...).





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