26 maio 2013

 

Sousa Tavares na berlinda


 

Sousa Tavares fez uma afirmação sobre o presidente da República, numa entrevista ao Jornal de Negócios, que tem alimentado o blá blá nacional.

Ele próprio já prestou declarações sobre o caso. Do que disse, retenho duas coisas, por me parecerem relevantes e indicativas da tendência irrefragável dos media.

Sem enjeitar a afirmação feita e fazendo até o seu acto de contrição em relação ao excesso dela, disse ele que: a) o título, em parangonas, na 1.ª página do jornal, não foi, como, aliás, é óbvio, da sua responsabilidade; b) ele não fez aquela afirmação de forma isolada, mas num contexto de perguntas e respostas, em que, de certo modo, a afirmação perdia o carácter veemente que o título lhe conferia. Mais ou menos isto, por outras palavras; o sentido, porém, é o que foi indicado.

Ora, o que eu pretendo destacar é o seguinte: a comunicação social pela-se por agigantar em títulos de 1.ª página (é o seu pendor sensacionalista) qualquer gesto, atitude ou dito que saem um pouco mais fora do normal, seja pela aparência de descomedimento, seja pelo aspecto grotesco ou irrisório, seja pelo deslize infeliz do autor daqueles actos, sobretudo se se trata de uma figura pública. E fá-lo abstraindo de qualquer conteúdo ou contexto, que os relativizariam e lhe diminuiriam o alcance, quando não os fariam passar despercebidos. Mais ainda: sem qualquer contemplação ou sinal de solidariedade (diria melhor, se dissesse lealdade) para com o visado, que se prestou a dar uma entrevista.

Aposto que Sousa Tavares não foi tido nem achado sobre o destaque que o jornal deu à sua afirmação. Não foi, porque, de contrário, não teria dito que o título não era da sua responsabilidade. É assim mesmo que, de ordinário, a comunicação social procede. No entanto, é nesse destaque que reside 80% ou mais do impacto da afirmação. O destaque na 1.ª página acrescenta-lhe um plus de grande valia, e esse é da responsabilidade do jornal.

Um factor que contribui para isso é o facto de os directores de periódicos e respectivos jornalistas terem deixado de responder criminalmente pela reprodução de afirmações feitas por outrem, sobretudo pelos entrevistados, desde que fielmente reproduzidas. Trata-se de um regime mais favorável aos jornalistas do que ao comum dos cidadãos, pois a lei penal geral tanto pune quem faz a afirmação considerada ofensiva, como quem a reproduz (Cf. art. 180.º do Código Penal). Ora, a publicação de uma entrevista num periódico nunca é simultânea com a realização da entrevista. É sempre uma reprodução do que foi dito ou afirmado.

A ironia, neste caso, reside no facto de tal alteração, reivindicada pelos órgãos de classe dos jornalistas, ser da responsabilidade da maioria num governo de Cavaco Silva (Lei n.º 15/95, de 25 de Maio, depois revogada pela Lei n.º 8/96, de 14 de Março, por iniciativa dos socialistas, então no poder, que apenas salvaram dela a referida alteração, que passou posteriormente para a actual Lei de Imprensa – n.º 2/99, de 13 de Janeiro).

Claro que fica sempre ressalvada a eventual responsabilidade criminal pelos títulos, mas ela será difícil de concretizar se o título se limita a reproduzir com fidelidade a afirmação que foi feita, não obstante aquele plus que o título lhe acrescenta.

Outro aspecto a salientar é o que se relaciona com a prática, que não sei se é seguida ou não, de se não dar ao entrevistado a possibilidade de rever o texto da entrevista, corrigindo eventualmente qualquer excesso que tenha cometido e que não tenha devidamente consciencializado no calor da entrevista. Mas, aqui, o entrevistado pode ter alguma culpa, por não ter pactuado com o jornalista essa exigência.





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