02 junho 2013

 

E agora?


 

Porque estamos numa terra e numa hora em que todos aqueles que têm força a fazem para a conservarem ou ser mais. Onde os governantes protegem os ricos e engodam os pobres, sem servir afinal a nenhuns, porque os ricos vão apodrecer de aborrecimento e de estrangeiros de alma e os pobres vão tentar ser gente como lhes ensinam e estrangeiros para outras terras.

(…)

Porque é tudo uma hesitação neste regime de serventes nem se sabe de quens, cada vez mais maiores de tão diversos e desencontrados, que ora abre torneirinhas aqui para as fechar acolá, nos critérios de censura ou repressão, nas habilidades de liberais muito europeus que manda fazer para desistir, nos grupos que deixa crescer até não serem só para fazer de conta.

 

Tirando uma ou outra palavra, uma ou outra expressão, este trecho poderia ter sido escrito nos tempos escuros que estamos a viver, como se trilhássemos caminhos de antanho. Qual a sua data? Outubro de 1973. Faltavam 6 meses para a eclosão do “25 de Abril”. Nessa altura, Maria Velho da Costa, a autora do texto, que foi integrado no volume Cravo (Editora Morais, 1976), ainda não o sabia, como nós não o sabíamos. Ainda não imaginávamos as “portas que Abril haveria de abrir”, numa ilusão que durou algumas décadas. E agora?, interrogámo-nos nesta hora vil de incertezas tamanhas, em que se “abrem torneirinhas aqui para as fechar acolá”, “nas habilidades de liberais muito europeus”.

 

Agora, a trincheira de cada um é o sítio em que ele trabalha e só está à espera que apareça um fiscal do governo, a baioneta dele é a folha de despedimento, e está morto, pode não estar morto na realidade, mas foi riscado do mundo dos que contam, irá para a valeta e isso representa uns milésimos de centavo a menos no défice, nas contas públicas, na folha que a pátria vai ter de apresentar aos credores para mostrar que se porta bem, que não anda na noite, a gastar o que não é dela.     

Assim responde um personagem no último livro de Nuno Júdice, A Implosão (Dom Quixote, 2013), que é uma espécie de Finis Patriae, no contexto de uma Europa que pouco mais é do que um “manequim”, “chefiada por criaturas que aparecem, no meio do desastre, com sorrisos forçados para a fotografia”.





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