15 setembro 2013

 

A luta contra o Tribunal Constitucional


 

Como já se previa, a grande batalha a travar agora é contra o Tribunal Constitucional. Se não se pode revogar a Constituição, esse empecilho, nem sequer alterá-la, porque não existe a maioria qualificada necessária para tal objectivo, pressionam-se e massacram-se os juízes numa campanha ideológica miserável e contumaz.

No âmbito dessa nova cruzada, descobriu-se agora que o problema não é da Constituição, mas da interpretação que dela fazem os juízes. Ora vejam lá que fabulosa descoberta. O Senhor de La Palisse não seria capaz de melhor. Logo um bom número de comentadores e opinadores da nossa imprensa se meteu por esse carreiro, aberto por uma qualquer luminária, como formigas que seguissem na enfiada umas das outras, na perseguição do cibinho da interpretação, esse filão tão espremetedor.

Ora bolas! Um texto é um conjunto de palavras, frases, sintaxe. Acaso vale alguma coisa sem uma interpretação? Uma lei, qualquer lei, significa algo se não for interpretada? Nem sequer o texto mais aparentemente  simples e vítreo está dispensado de interpretação, ao contrário do que ficou expresso no brocardo latino “in claris non fit interpretatio”.

O problema está mesmo na interpretação, claro que está. Mas nesta guerra das interpretações a mensagem subliminar que se pretende fazer passar é a de que o Tribunal Constitucional devia adoptar a interpretação que mais convém à política do momento. Para tanto, invoca-se que as inconstitucionalidades detectadas andam sempre à volta dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da protecção da confiança, subentendendo-se que esses princípios são plurívocos e que, portanto, a razão das inconstitucionalidades não está no texto, mas na interpretação “enviesada” que daqueles faz o Tribunal Constitucional. É preciso desfaçatez!

Esta é uma crítica que releva de safadeza, precisamente porque invectiva o Tribunal Constitucional por não conformar o seu critério hermenêutico com o de tais críticos, ao mesmo tempo que deixa a descoberto a concepção de independência do poder judicial que lhe subjaz. O que se visa é anular essa independência. Esta crítica é tão cega ou tão sectária,  que nem atenta no facto de a maioria dos juízes que tem votado a favor das inconstitucionalidades incluir juízes que foram indicados pelos partidos da actual maioria, o que significa que os diplomas submetidos à apreciação do Tribunal Constitucional têm sido de tal forma violentadores de um entendimento consensual daqueles princípios,  que não passam no crivo da sensibilidade jusconstitucional da maior parte dos seus juízes, pesem embora as suas diferenças ideológicas.

Um senhor crítico chamado Tavares Moreira, ex-governador do Banco de Portugal, para dizer que o Tribunal Constitucional estava fora de época, afirmou que os seus juízes ainda estavam no tempo do escudo. É um ataque muito vanguardista do ponto de vista monetário, mas o pior é que este senhor, a propósito dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da protecção da confiança, afirmou que esses eram princípios onde cabia tudo, tanto dando para um lado como para o outro. É como os Evangelhos para certos cristãos: também lá cabe tudo.

Esta nota de conservadorismo com que alguns ex-conservadores pretendem atingir, pelo lado ideológico, o Tribunal Constitucional merece um reparo: é preciso conservar alguma coisa para que nem tudo vá na enxurrada.





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