19 janeiro 2014

 

O malfadado segredo de justiça


 

 

Para falar com franqueza, já quase que abomino falar do “segredo de justiça”. Nas minhas andanças por colóquios e seminários cujo tema era a comunicação social e a justiça, essa questão era quase sempre aflorada e elevada a questão magna das relações entre uma e outra. Para dizer o que sinto: é uma questão que adquire as proporções de uma doença neurótica.

Em mais de 20 anos que levo nestas lides, nunca senti que houvesse um milímetro de progresso sobre o assunto. Uma discussão vã. Um diálogo de surdos entre jornalistas, magistrados e advogados. Enquanto persistir uma cultura que postula que os jornalistas não têm nada a ver com o segredo de justiça, pois a sua missão é a de tornarem tudo transparente, enquanto os magistrados encarregados da investigação criminal forem tidos como os exclusivos e quixotescos guardiães do sigilo processual, enquanto, enfim, o segredo de justiça não servir para mais nada senão para arma de arremesso, quando convém fazer saltar para as páginas dos jornais  uma notícia (in)oportuna sobre um caso judicial, com muito escândalo, que suspeito hipócrita, da banda de quem, porventura, lucra com a divulgação, não se vai a lado nenhum.

A verdade é que sobremaneira me repugna este histerismo ou esta guerra de nervos à volta do segredo de justiça. Não me parece que a solução esteja em reacções extremadas, do tipo de se mobilizarem instrumentos de investigação que devem, por definição, estar destinados para os crimes mais graves e, mesmo assim, com ponderação muito minuciosa e escrupulosa dos interesses em conflito numa dada situação concreta.

É o caso das escutas telefónicas. É um meio investigatório manifestamente desproporcionado em relação à magnitude do crime de violação do segredo de justiça. Não se pode banalizar um meio tão intrusivo e tão oneroso para os direitos fundamentais das pessoas.

Pendo há muito tempo para uma solução próxima de algumas modalidades do contempt of court  anglo-saxónico. O tribunal deveria, em certas situações, de forma preventiva ou ex-post, poder fazer uma injunção aos meios de comunicação social no sentido de não publicarem notícias de certo teor ou estancarem a divulgação que tiverem iniciado sobre certos processos, durante um certo lapso de tempo ou enquanto vigorasse uma determinada fase processual. A violação dessa injunção é que daria azo a procedimento criminal contra o prevaricador.





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