28 abril 2014
O amigo alemão
De todos os eventos que marcaram os 40 anos do 25 de Abril, o mais interessante, para mim, foi uma discreta sessão no Instituto Goethe, em Lisboa, no dia 21. Presentes dois alemães e um forte contingente de ilustres socialistas portugueses (sigo uma notícia do “Público” de 22.4.2014, p. 9). Nos alemães destacava-se um tal Klaus Wettig, ao que parece um dos obreiros da democracia portuguesa (a quem infelizmente ainda não foi prestada a justa homenagem…).
Com efeito, ele veio fazer algumas “revelações” sensacionais. Esse sujeito funcionou como “elo de ligação” entre o SPD alemão e o PS português “nos anos quentes da revolução”. Perante o perigo de a revolução descambar para uma hege-monia comunista, o SPD e a CDU alemães decidiram apoiar concertadamente os “partidos democráticos”, ou seja o PS e o PSD. Um apoio multifacetado: dinheiro a rodos (10 milhões de marcos), formação política para quadros e ajuda nas campanhas eleitorais. A coisa funcionava assim: o apoio saía diretamente do orçamento federal e era canalizado para as fundações do PS e do PSD, através das fundações Konrad Adenauer (da CDU) e Friedrich Ebert (do SPD). Tudo bem pensado e ainda melhor executado: PS e PSD tornaram-se os partidos centrais da vida política portuguesa.
Mas esse apoio teve que ser “sigiloso”. Aos olhos dos portugueses da altura esse apoio era “suspeito”, era visto como uma “tentativa de influenciar o processo político português”, lamenta Wettig. (Portugueses sempre ingratos e maldosos!) Mas António Reis não tem dúvidas: “Foi o apoio certo no momento certo”. Vera Jardim chamou a atenção para a importância que o tal “apoio” desempenhou no nascimento das fundações do PS. Na plateia gerou-se um ambiente geral de aprovação e comovido agradecimento pelo contributo do orçamento alemão para a consolidação da democracia portuguesa.
E Wettig não falou apenas do passado, lembrou que a “experiência portuguesa” é importante para o que se está a passar na Ucrânia (ou seja, é preciso mandar urgentemente dinheiro para os “democratas” da Ucrânia…), no que foi apoiado (imagine-se!) por Ana Gomes…
Na mesa da sessão também se sentava Eduardo Lourenço, que não terá destoado do ambiente de júbilo e sentido reconhecimento pelos desinteressados filantropos alemães.
Pena é que, quatro décadas volvidas, do orçamento alemão já não saia nada para Portugal. O amigo alemão é agora nosso carrasco. Se outrora apoiou a “democracia”, à sua medida, agora parece querer enterrá-la.
27 abril 2014
picasso visto do porto
De Vasco Graça Moura vou
transcrever parte de um poema de um dos primeiros livros dele, Os Rostos Comunicantes, por duas rezões
de carácter afectivo: uma, porque o Manuel António Pina me levou à apresentação
desse livro e apresentou-me ao poeta, então advogado no Porto ainda muito
jovem, que teve a gentileza de me oferecer um exemplar com uma dedicatória;
outra, porque essa parte do poema fala do Porto de uma forma de que sempre
gostei.
Ei-la:
4
no porto não havia «os» pessoanos
e as questões do realismo
punham-se de são lázaro até ao
passeio alegre, chegavam a matosinhos,
nas conversas sobre arte e no dia
a dia lá em casa
para pagar na mercearia ou
comprar sapatos novos.
o que também funcionava era uma
sólida destruição
do real que o mantinha ferozmente
semelhante e rasgado e algumas
coisas amavam-se com fulgor excessivo,
mas sem a coragem de se ir até ao
último espasmo.
tudo isto foi uma longa
aprendizagem do razoável, do portuense,
que é difícil de desfazer e às
vezes nem é inteiramente triste.
os ricos destruíam vários
equilíbrios
menos o do pôr do sol na foz do
douro e uma certa cordialidade.
musa, é isso o que a trama,
armada em anjo azul
e fulva de trejeitos vistos no cinema,
tudo muito anos vinte, tudo muito
boquilha
nesses passos que esboça
retardando a nudez.
(picasso visto do porto)
A menos que...
Vasco Pulido Valente escreveu n’ O Público do dia 25 de Abril uma crónica
intitulada O Manicómio, aludindo ao
comportamento recente de certas personalidades, como Mário Soares, a propósito
de uma afirmação sua sobre Salazar e os dinheiros públicos, e o grupo de
notabilidades que assinou o Manifesto dos 74, e eu lembrei-me de uma história
engraçada.
É assim: um doido estava
internado no velho hospital do Conde de Ferreira. Tendo-se provavelmente
escapulido à vigilância, entrou a passear pela cerca e, aproximando-se do
gradeamento de ferro que a separava da
rua, pôs-se a contemplar o movimento das pessoas e dos carros, que, ali, costumava ser intenso. A dada altura, interpelou um transeunte, deste
jeito: «Eh, lá! Vocês aí são todos
malucos»?
Não sei se a história tem relação
com a crónica de Vasco Pulido Valente, mas o certo é que ele a termina
afirmando que “Portugal é um manicómio”. Quer dizer, serão malucos tanto os
observados, como os observadores. Tudo depende da perspectiva. A menos que VPV
se considere um observador forâneo do país.
19 abril 2014
Manifesto a favor da vida, da salubridade e da decência física e moral
Chegou a vez de atacar os
açúcares e outras guloseimas perigosas para a saúde. Para além do álcool e do
tabaco, que estão sempre na baila.
A política de austeridade não
cuida só das gorduras do Estado. Cuida também, e com afinco, da elegância dos
cidadãos, aliás, já atingidos, numa grande parte, como enxúndia do próprio
Estado.
Nesse objectivo, procura-se agora
fazer com que os nossos compatriotas tenham um físico apresentável, uma forma razoável,
taxando-se os alimentos com certos teores de açúcar, sal e outras substâncias e
evitando-se, assim, que eles caiam na tentação de menosprezarem a sua saúde e a sua imagem.
Também será de salientar a Insistente
preocupação com o tabaco e o álcool, porque são substâncias nocivas à saúde,
para além de serem drogas ligadas à evasão e à obnubilação dos espíritos,
principalmente o álcool.
Idem, no que se refere a
medicamentos com benzodiazepinas, que criam habituação e que têm vindo a ser
cada vez mais usados desde que se entrou em austeridade. Essas substâncias têm
efeito emoliente, modificam a percepção real dos problemas e dão sonolência.
Pretende-se, por meio do recurso
cada vez mais intenso à biopolítica, criar cidadãos saudáveis, racionais,
despertos e inteiramente conscientes. Mesmo que, por efeito das medidas de
austeridade, muitos jovens não consigam emprego, muitos adultos o tenham
perdido e continuem a perder sem esperança de o readquirir, muitos trabalhadores
do sector privado e do sector público tenham perdido parte dos salários, muitos
idosos tenham visto desaparecer parte substancial dos seus rendimentos, o que é
preciso é que os cidadãos se mantenham perfilados, em boa forma, compostos, peitos
para fora e barrigas para dentro, no seu perfeito juízo, para que saibam
sempre, em todas as circunstâncias, o que custa a vida.
Por isso, também não é aceitável
que se deixem precipitar na depressão e, pior do que isso, se suicidem. Com
vista a evitar impulsos dessa natureza, vão ser colocados nas pontes resguardos
eficazes e estudar outras medidas que visem prevenir todas as hipóteses de suicídio.
Apenas se aceitam mortes naturais.
15 abril 2014
O pescocinho de D. Teresa de Sousa
Na sua crónica do domingo passado no "Público", D. Teresa de Sousa advertiu certos admiradores "de direita e alguma esquerda" de Álvaro Cunhal de que os seus "pescocinhos" correriam riscos se ele tivesse levado a cabo os seus "objetivos" (cortar pescoços, presume-se). Possivelmente o delicado pescocinho da jornalista também esteve sob a mira...
Penso que é a primeira vez que tal plano/objetivo é divulgado. Nem o insuspeito Rui Ramos suspeitou de tamanho projeto. Assim se faz a (pequena) história...