27 abril 2014

 

picasso visto do porto


 

De Vasco Graça Moura vou transcrever parte de um poema de um dos primeiros livros dele, Os Rostos Comunicantes, por duas rezões de carácter afectivo: uma, porque o Manuel António Pina me levou à apresentação desse livro e apresentou-me ao poeta, então advogado no Porto ainda muito jovem, que teve a gentileza de me oferecer um exemplar com uma dedicatória; outra, porque essa parte do poema fala do Porto de uma forma de que sempre gostei.

Ei-la:

4

no porto não havia «os» pessoanos e as questões do realismo  

punham-se de são lázaro até ao passeio alegre, chegavam a matosinhos,

nas conversas sobre arte e no dia a dia lá em casa

para pagar na mercearia ou comprar sapatos novos.

 

o que também funcionava era uma sólida destruição

do real que o mantinha ferozmente

semelhante e rasgado e algumas coisas amavam-se com fulgor excessivo,

mas sem a coragem de se ir até ao último espasmo.

 

tudo isto foi uma longa aprendizagem do razoável, do portuense,

que é difícil de desfazer e às vezes nem é inteiramente triste.

os ricos destruíam vários equilíbrios

menos o do pôr do sol na foz do douro e uma certa cordialidade.

 

musa, é isso o que a trama, armada em anjo azul

e fulva de trejeitos vistos no cinema,

tudo muito anos vinte, tudo muito boquilha

nesses passos que esboça retardando a nudez.

 

(picasso visto do porto)





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