02 dezembro 2014
A propósito do segredo de justiça
O segredo de justiça deixou de
ser obrigatório com a reforma do Código de Processo Penal (CPP) introduzida
pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto. Foi uma alteração muito criticada tanto
por penalistas (Figueiredo Dias, Costa Andrade, entre outros), como por
magistrados e outras entidades.
O que é certo é que o segredo de
justiça passou a ser excepção, o que, pessoalmente, acho bem, e até defendi
essa excepcionalidade em trabalhos que publiquei antes daquela Lei.
Actualmente, o segredo de justiça é determinado caso a caso pelo juiz de
instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente e,
tendo sido determinado, pode cessar a qualquer momento, também por despacho do
juiz de instrução, a requerimento daqueles sujeitos processuais.
No entanto, tudo se passa entre
nós, a nível da opinião pública, como se nada tivesse sido alterado. É
confrangedor e mesmo ridículo vermos qualquer senhorito ou senhorita, a
propósito de tudo ou de nada, virem dizer publicamente que não podem falar de
um qualquer caso por causa do segredo de justiça, independentemente, creio eu,
de se saber se o processo foi ou não submetido a tal regime. É que o segredo de
justiça é uma espécie de tabu jogado consoante as conveniências de cada qual. Significa
tudo e não significa nada.
Significa tudo quando se pretende
lançar poeira sobre os olhos do público e virem as carpideiras do costume para
a praça pública vociferarem contra as violações do segredo de justiça,
apontando sistematicamente a sua autoria à mesma entidade – a acusação. Não
significa nada quando se trata de satisfazer o interesse do público (não o
interesse público) na revelação de quaisquer actos ou procedimentos ligados a
um processo em segredo de justiça.
Evidentemente, o segredo de
justiça, diz-se, não vincula os jornalistas, e não vinculará, não sendo os
mesmos obrigados a revelar as suas fontes, mas não deixa de ser confrangedor
vermos a comunicação social a revelar a cada passo actos ou ocorrências
processuais, sendo completamente indiferente às consequências danosas que tal
possa desencadear, inclusive no prestígio das instituições e no funcionamento
do Estado de direito democrático, nesse sentido actuando contra o interesse
público, a cujo serviço se diz estar submetida, isto, evidentemente, no
pressuposto de que sabe que divulga informações sigilosas. Pelo contrário, certos
órgãos de comunicação social vangloriam-se mesmo desse feito, que, se for em
exclusivo, maior será, em benefício das audiências, por cujo aumento os vários órgãos
de comunicação social se guerreiam entre si, como contendores num campo de
batalha.
Ora, eu não acredito (serei muito
ingénuo, pois serei!) que o Ministério Público requeira que um inquérito em
curso decorra em segredo de justiça, sobretudo por causa do êxito das
investigações, para depois o violar. Seria maquiavelismo puro, perversidade
asquerosa e um acto gravissimamente atentatório das funções constitucionais que
lhe competem.
Um dia que se chegue ao
apuramento da verdade (será isso possível?), tenho a certeza que haverá muito
espanto relativamente à origem dessas violações. Nem só ao arguido a violação
do segredo de justiça causa dano. Às vezes é mesmo o contrário. E há outros
interesses que se posicionam por trás.