21 abril 2015
Como vender a nossa imagem no estrangeiro
Se
há cousa em que o nosso reino se tem empenhado com sucesso nos últimos anos é
na venda do nosso património. Em mui escasso lapso de tempo, conseguimos
alienar praticamente tudo o que de valioso tínhamos para despertar a cobiça de
outras terras e de outras gentes, desejosas de tirarem proveito das nossas
cousas. Pouco nos resta já para oferecer à cupidez alheia, ressalvando uma ou
outra grande indústria, como a de viagens celestes, que, pese embora a
recalcitração de vários concidadãos oponentes, há-de ter, querendo Deus, o seu
feliz desfecho negocial. Inclusive conseguimos despachar para os quatro cantos
do globo boa parte da nossa melhor e mais qualificada mão-de-obra, representada
por tantos concidadãos talentosos das mais novas gerações.
Para
completarmos com glória esta empresa que nos tem firmado como bons negociantes,
resta-nos vender a nossa própria imagem.
Eis
alguns conselhos práticos que ouso
formular para esse objectivo:
1
- Afirmar com ênfase a superioridade da mão-de-obra que nos resta e encarecer o
seu muito atractivo custo para os
investidores estrangeiros. Nunca dizer, porém, em termos crus, que a nossa mão-de-obra
se faz pagar pelos mais baixos soldos do mercado formado pelas várias nações,
como na realidade acontece, muito pelo esforço que tem sido feito no sentido do
seu máximo abaixamento. Poder-se-ia dar a ideia de má qualidade, que de todo
nos não convém, e ferir a susceptibilidade dos nossos obreiros, que também nos
poderia ser fatal, sobretudo por via de agremiações que se intrometem na defesa
dessas classes.
Por
que não empregar, por exemplo, um termo como flexível? A nossa mão-de-obra tem muita flexibilidade. Aqui está um termo elegante, sóbrio e de uma
maleabilidade ímpar. E, acima de tudo, engenhoso. Dizer que temos uma
mão-de-obra muito flexível significa,
para bom entendedor, que ela não oferece grande resistência às pressões de quem
a compra. Quer dizer que quem a leva não se arrependerá, pois leva bom artigo
por um preço imbatível e quem a oferece fica satisfeito, porque na realidade não
tem outro modo de ganhar a vida.
Eis
um vocábulo que é imediatamente entendido por quem se venha a revelar
interessado na aquisição da nossa mão-de-obra e que, simultaneamente, não
ofende o orgulho de quem se obriga a oferecê-la. Assim, a arte da palavra
complementa a arte de bem governar os povos.
2
- O nosso povo tem sido sacrificado com medidas muito duras, cujos efeitos se
têm traduzido na falta de emprego, na falta de dinheiro para comprar os bens
essenciais e para acudir à doença ou a outro qualquer percalço, para sustentar
as famílias e para educar os filhos, entre outras perniciosas consequências. Muitos
são os que têm caído na miséria, sem tecto onde se abrigarem e sem comida para
se alimentarem. Não fosse a caridade de muitos concidadãos e instituições de
solidariedade, e muitos desses desgraçados não resistiriam às condições
adversas que têm suportado.
Também
as classes medianas têm sido sobrecarregadas com enormes sacrifícios, cuja
consequência tem sido o empobrecimento e a degradação para os escalões mais
baixos da sociedade.
Ora,
na venda da nossa imagem, os sacrifícios do povo e das classes medianas devem
ser pintados com cores heroicas e garridas e não como sinal de aviltamento. Proclame-se
e, se possível for, determine-se por decreto, que o nosso povo é um grande povo
magnânimo, sempre disposto aos maiores sacrifícios pelo bem comum e que aquilo
que parece inércia ou moleza provocada pelas duras medidas que tem sofrido não
é senão expressão de vitalidade e de grande capacidade de resistência às condições
adversas. Tal há-de representar uma mais valia para atrair investimentos
estrangeiros, pois ninguém gosta de aplicar o seu dinheiro em países cujos
autóctones pareçam refilões e recalcitrantes, ou de índole molengona.
3
- Deus dotou-nos com um solo invejável, um sol magnífico e uma costa ridente.
Pois devemos aproveitar esses dons para vender a imagem do país.
Temos
aldeias espalhadas pelo interior que estão praticamente abandonadas, por mor da
fatídica falta de condições para a fixação das populações locais. Trata-se agora
de valorizar esse património aos olhos do estrangeiro, mostrando-lhe como é bom
viver em zonas rurais tão castiças, longe do bulício desgastante das cidades e
beneficiando das modernas vias de comunicação que tivemos o talento de
multiplicar pelo país.
Uma
parte do nosso território, eriçado de encostas onde se produzem vinhos de
reputação internacional, muito graças ao esforço titânico dos nossos
antepassados lavradores, já está a ser explorado, desde há séculos, por ricas
empresas estrangeiras. Pois podemos agora cativar o forasteiro para o aprazível
lazer campestre, chamando às nossas aldeias o investimento fecundo de capitalistas
estrangeiros e facilitando até a sua fixação nesses locais, o que só nos honrará
como grande povo hospitaleiro.
O
sol é outra das nossas riquezas. Devemos vendê-lo a quem o pode comprar e a
quem o pode gozar. Sobretudo as nossas costas, tão soalheiras e marginadas por
um mar tão doce, são um fabuloso cartaz de promoção do nosso país. O nosso
litoral poderá, assim, ser uma grande fonte de receita, vendido a bom preço por
metro quadrado a cidadãos de outras nações mais poderosas, mas menos
afortunadas das riquezas do astro-rei.
Eis
uma honesta súmula de propostas para bem
vender a nossa imagem e o nosso país. Estou certo de que, assim, poderemos transaccioná-lo
com tudo o que tem de valioso por um preço deveras estimável, firmando-nos como
uma das nações mais comercializáveis do mundo.