23 agosto 2015

 

600 anos de Ceuta "cristã"

Independentemente das "razões profundas" que levaram à conquista de Ceuta, há que realçar a exorbitância do empreendimento. Não só pelo investimento financeiro, como pelo próprio investimento político, traduzido no envolvimento pessoal na operação do próprio rei e dos seus filhos, que aliás participaram nas operações militares no "terreno". Um desastre militar teria sido um Alcácer Kibir antecipado... O destino quis porém que o empreendimento tivesse sucesso militar e Portugal inaugurou o seu império, que haveria de abranger todos os continentes. Por extensão, a Europa mostrava as suas garras, que iria exibir incessantemente por todo o mundo até hoje, desde há algum tempo com parceria norteamericana. Não foi propriamente a "globalização" que Portugal inaugurou; foi, sim, o colonialismo e o imperialismo europeu (e ocidental), com todos os seus avatares, desde logo o racismo e a escravatura. A expansão europeia, primeiro invocando a salvação dos "infiéis", depois o "fardo do homem branco" na divulgação da civilização junto dos bárbaros, mais recentemente a imposição da democracia como obrigação do "Ocidente" para bem dos povos de todo o mundo (sobretudo daqueles que se mostram menos recetivos às receitas políticas ocidentais), tem sempre mantido a marca da força, da opressão dos países conquistados, da humilhação dos povos submetidos. Desde Ceuta até hoje (com destaque para o Iraque) tem sido sempre assim. Diga-se que, no entanto, a ideologia imperial tem sido bastante eficaz em disfarçar a sua verdadeira face e esse "disfarce" é um dos instrumentos maiores da sua força. Quanto a Ceuta, lá está, ainda "cristã", desde 1640 nas mãos de Espanha, pela qual optou "livremente" após a recuperação da independência portuguesa. Não se sabe se, caso se tivesse mantido portuguesa, ainda o seria hoje. O mais provável é que não. Poderia ter sido abandonada, se não antes, quando foram evacuadas todas as praças marroquinas, no sec. XVIII. Em qualquer caso, o espírito libertador do 25 de Abril ter-lhe-ia dado certamente o direito à autodeterminação. A ocupação por Espanha não está garantida por muito tempo. Com a longa soberania europeia, Ceuta ganhou uma fisionomia própria, que haverá sempre que salvaguardar (como deveria ter acontecido com Goa...). Mas acabou o tempo das conquistas "d'álém mar": Ceuta pertence a Marrocos, que justamente a reivindica. (Como aliás Gibraltar pertence de direito a Espanha, caduco que é historicamente um tratado imposto a Espanha há três séculos...) Fica um problema por resolver: por que se meteu Portugal em tamanha aventura há 600 anos?





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