03 outubro 2015

 

Que vivam as eleições


 

Já uma vez escrevi um artigo para o Jornal de Notícias que se intitulava “Elogio das eleições”. Aí eu defendia que as eleições deviam ser, pelo menos, todos os anos. É que as eleições tornam os políticos mais generosos, mais cordiais, mais amigos dos que sofrem, mais próximos do povo das ruas, mais cheios de vontade de ajudar os outros, mais mãos largas no abrir os cordões à bolsa. Veja-se, por exemplo, o caso da coligação denominada “Portugal À Frente”. Noutros tempos, quando as eleições ainda estavam muito longe, essa mesma coligação, embora sem esse nome, cortava salários e pensões impiedosamente, retirava ou diminuía drasticamente subsídios e prestações sociais, tramava o despedimento maciço de funcionários públicos e congelava as respectivas carreiras, subia impostos desmesuradamente, entre outras medidas que atiraram muita gente da classe média para a pobreza e muitas outras pessoas para a indigência, ao mesmo tempo que mandava para fora do país milhares de jovens.

Era o tempo em que o principal rosto da coligação afirmava desprendidamente “Que se lixem as eleições”. Mas, à medida que se foi aproximando a hora delas, a generosidade eleitoral começou a despontar paulatinamente com promessas de reposição de salários, restituição de  sobretaxas, medidas de incentivo às famílias e à natalidade e à fixação de jovens no país. No capítulo do emprego, foram criados muitos postos novos de trabalho, embora a maior parte deles em estágios profissionais e ocupações precárias.

Essa generosidade tem sido febrilmente acelerada nos últimos dias. A coligação promete não ir fazer mais cortes e nem quer ouvir falar em as pensões voltarem a entrar na berlinda, não obstante o documento de seiscentos milhões de euros apresentado em Bruxelas; a luta dos enfermeiros terminou a contento de todos com a satisfação das reivindicações salariais; os funcionários públicos, tão particularmente visados pelas medidas governamentais, parece que vão ser aumentados; os da Estatística e das Finanças também parece que vão ser contemplados com aumento de vencimentos e subida nas carreiras. E outras coisas mais.

Enfim, o candidato a primeiro-ministro da coligação, que, em derradeiro transe, pede a maioria absoluta, afirmou que, no futuro governo de que ele fizer parte, os anteriormente vitimados pelas medidas de austeridade irão ser alvo das primeiras atenções desse governo. Ou seja; em vez do “que se lixem as eleições”, são os anteriormente lixados que são convocados para dar força às eleições.    





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