10 setembro 2015

 

O "duelo"


 

Por acaso cheguei de fora a tempo de ver o grande confronto entre Passos Coelho e António Costa, de que não me lembrava. As televisões e a rádio alvoroçavam-se no anúncio do mais esperado frente-a-frente desta campanha, criando aquele ambiente de expectativa e de tensão que a comunicação social investe em eventos desta natureza. Um acontecimento a transmitir em “horário nobre”, capaz de destronar a habitual programação televisiva e ocupando o lugar das telenovelas e dos desafios de futebol.

Na verdade, o “duelo”, como lhe chamaram vários comentadores e como aparece referido em vários órgãos de informação, tem essa característica de combate entre dois contendores e é essa dimensão espectacular, lúdica e, vamos lá!, de realitiy show, que sobreleva as outras possíveis determinantes e que deixa antecipadamente de pé atrás muitas das pessoas já avezadas a este tipo de confronto. O próprio clima de ansiedade que é criado e é transmitido  pelos “agentes” da comunicação social nas horas que precedem o acontecimento, todo o aparato que é posto em movimento, os meios mobilizados, a mise-en-cène, as previsões sobre as audiências esperadas, etc., constituem já uma antecâmara propícia ao espectáculo que vai ser oferecido.

As discussões encarniçadas entre jornalistas, empresários da comunicação social e políticos à volta das transmissões televisivas da campanha eleitoral, desembocando na lei que foi de parto tão difícil e que, finalmente, veio beneficiar as grandes e clássicas formações partidárias, não prenunciava senão a dimensão espectacular em que se pretendia centrar a regulação normativa, ou, para empregarmos a expressão crua de Eduardo Lourenço, em O Esplendor do Caos, “o critério único e universal da rentabilidade mediática”. Por isso, não seria de esperar (nunca é de esperar nestas circunstâncias) um grande debate de ideias, até porque os próprios protagonistas do confronto não conseguem fugir a essa pulsão de impacto mediático, a que nem a informação televisiva escapa. O objectivo fundamental é fazer passar uma mensagem com ideias “marteladas” e repisadas.

Mas voltando à dimensão lúdica e espectacular, é significativo que a principal, senão única, preocupação demonstrada pelas televisões, mal o debate acabou, foi saber quem o ganhou. Apurar dos espectadores, através de mensagens electrónicas e não sei se telefónicas, a opinião com que ficaram sobre quem venceu a pugna; inquirir o mesmo dos convidados para o debate que se seguiu ao dos representantes dos partidos em confronto. Um dos jornalistas de um dos canais de televisão, mostrando impaciência ante a divagação de um dos inquiridos presentes no estúdio, não se conteve que não atalhasse: “Sim, mas quem venceu o debate?” As expressões usadas pelos comentadores faziam mesmo apelo, frequentemente, ao vocabulário dos espectáculos de boxe: round, KO, etc.  

Ora, o debate ou duelo foi ganho, conforme se pronunciou a grande maioria dos espectadores, por António Costa. Descontraído, olhando de frente o adversário, as mãos pousadas sobre o tampo da mesa enquanto escutava, a voz firme, a acutilância na acusação. Passos Coelho, pelo contrário, mergulhando os olhos num caderno onde afanosamente rabiscava notas, afogueado, por vezes enrubescendo, era a imagem do animal acossado. Porém, quanto ao resto, ficou tudo nos limites do previsível ou, na linguagem da classe bem falante da actualidade, ficou tudo nos limites do expectável.





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