29 março 2016
Boaventura e a justiça luso-brasileira
Boaventura Sousa
Santos, num artigo publicado no Público
do passado dia 26 de Março (sábado), descobriu “semelhanças inquietantes” entre
a operação “Lava Jato”, no Brasil, e o processo de José Sócrates. O que há de
inquietante, no artigo, é a descoberta dessas semelhanças. Talvez o
“Observatório da Justiça”, a que Boaventura preside, ofereça condições óptimas
de observação capazes de detectarem, ao microscópio, as “inquietantes
semelhanças” que ele descortina.
Boaventura adverte para
um facto grave: «A mobilização judicial-mediática do caso José Sócrates tem
sido de tal ordem que, se o réu não for definitivamente condenado pelos crimes
por que está indiciado, os portugueses não poderão deixar de pensar que o circo
montado à volta deste caso teve mais que ver com política do que com justiça. Em
meu entender, tal percepção, a concretizar-se, pode ser fatal para a
legitimidade democrática da justiça. E nesse caso os mais avisados terão
presente que, independentemente da culpabilidade que se venha a provar, alguma
relação deve haver entre o modo como o processo está a ser tratado e o facto de
o réu, quando primeiro-ministro, ter declarado logo no início do seu governo,
em 2005, que estava decidido a acabar com dois tipos de situação de privilégio
na sociedade portuguesa, a dos magistrados judiciais e a das farmácias.»
Ora, cá está! Por um
lado, a não ser o réu (terminologia
de Boaventura) definitivamente condenado, pode estar em causa a legitimidade
democrática da justiça (Da justiça ou do poder judicial?). Esta fatal
consequência já tem sido aventada por outros atentos observadores da actuação das
autoridades judiciárias neste caso, os quais já avisaram que, se a acusação não
vier a provar-se, terá de se repensar o estatuto dos magistrados, em especial no
que diz respeito à autonomia do Ministério Público. Por conseguinte, é caso
para os magistrados do Ministério Público e juízes envolvidos no caso medirem
bem a responsabilidade que têm às costas e fazerem tudo para que a acusação que
vier a ser formulada venha a ter êxito, culminando numa condenação definitiva do
visado, pois, de contrário, as consequências são de monta e atingirão o modelo
estatutário dos magistrados de ambas as magistraturas.
Mesmo nesse caso, porém
(isto é, independentemente da
culpabilidade que se venha a provar), há sempre a possibilidade de os mais avisados pensarem que alguma relação deve haver entre a forma
como o processo tem decorrido e o facto de o
réu ter-se proposto acabar com o privilégio dos magistrados judiciais.
Mais brilhante do que
isto não se podia ser.