05 abril 2016

 

Ainda o caso brasileiro


 

Começo por dizer que é salutar a discordância manifestada por Maia Costa em relação às dúvidas que exprimi sobre a actuação de certos magistrados brasileiros no caso Lula, em particular sobre a intercepção e divulgação da escuta em que foi apanhada a conversa daquele com a presidente Dilma.

Não vejo necessidade de alterar a minha posição. O juiz Sérgio Moro resolveu captar e divulgar a referida escuta e, quanto a mim, essa captação e divulgação deixam muitas dúvidas quanto à sua legitimidade, quer do ponto de vista deontológico, quer do ponto de vista da sua legalidade. Certo que o alvo da escuta não era Dilma, mas Lula, tendo aquela sido apanhada por “tabela”. Embora concedendo nesse ponto, a verdade é que, em primeiro lugar, a referida escuta foi efectuada já depois de terem sido cessadas pelo mesmo juiz as intercepções telefónicas, pelo que, dando o dito por não dito, o juiz procedeu de uma forma arbitrária, à revelia da sua própria decisão; em segundo lugar, o juiz deu-se pressa em divulgar a mesma escuta e se a intercepção já foi realizada de forma irregular, a divulgação exaspera o sentido de desvio que parece ter presidido a essa actuação. Mesmo a ter sido legal a intercepção, a divulgação da escuta parece-me totalmente  fora das regras deontológicas e da legalidade processual, embora eu não conheça o que diz a lei brasileira sobre este aspecto. Porém, houve muitas reacções de juristas a denunciar o método utilizado, incluindo pelo menos um juiz do Supremo Tribunal Federal.

Ao proceder dessa forma, o juiz Moro quis ser protagonista e intervir, não já juridicamente, mas na esfera política. Não existe nenhum interesse público fora da investigação que justifique tal divulgação. Os juízes não podem actuar tendo em vista o efeito no público que a sua actuação possa provocar, ou visando o apoio da opinião pública para as suas actuações processuais. Isso parece-me completamente inaceitável e tributário de uma ideia “justiceira”da justiça, em que os magistrados, seja a coberto de um arquétipo que colhe referências na “Operação Mãos Limpas” italiana, seja por se sentirem investidos de um ideal de pureza acima de toda a suspeita, julgam levar a cabo uma missão superior que eu designei de “missão salvífica”. Acho isso perigoso.





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