06 maio 2016
A propósito do herbicida cancerígeno e outras coisas mais
Agora toda a
comunicação social se preocupa com o glifosato, o herbicida que provoca o
cancro. Trata-se de um químico largamente usado na agricultura,
principalmente em certas zonas do país,
e também para eliminação de ervas na margem de ruas citadinas.
Como em tudo o mais, é
quando a casa começa a arder que nós nos lembramos dos bombeiros. E vêm
declarações de entidades públicas, de políticos, a prometer a análise da
situação e a eliminação do herbicida que elimina ervas daninhas e dá cabo das
pessoas. Mas, pelos vistos, o alerta contra o referido herbicida já vem de trás
e, salvo erro, já foi objecto de declarações públicas no passado. Quando é que
se passa das declarações aos actos?
Esta é uma velha pecha
nossa – a forma relaxada com que encaramos problemas de responsabilidade
colectiva. Vamos ainda pensar, quando já devíamos ter actuado. Periféricos como
somos, podíamos, talvez, tirar algum benefício do nosso atraso; aproveitar a
experiência de outros, mais avançados, e não cairmos em erros e práticas
ruinosas em que esses outros já incorreram e estão em vias de os eliminarem ou
já os eliminaram, quando nós os vamos copiar, para depois, com o sinal vermelho
claramente aceso, pensarmos em solucionar o problema.
O glifosato parece que
é largamente usado na agricultura portuguesa em múltiplas aplicações e também
no cultivo de plantas transgénicas, especialmente o milho, milho esse que está a
ser produzido no nosso país em circunstâncias que não são muito bem conhecidas,
quase em regime de clandestinidade. Em princípio esse produto não seria para
ser usado directamente na alimentação humana, mas, segundo me disseram, não há
controle sobre o seu uso, podendo servir para fabrico de boroa de milho, sem
que se saiba, pois a farinha usada pode conter milho transgénico e os produtos
que se adquirem na padaria não contêm a informação relativa ao seu fabrico, nem
ao modo como são obtidas as matérias que entram na sua produção. Claro que já
existe perigo no facto de o milho transgénico ser usado na alimentação de
animais e, por essa forma, entrar na cadeia alimentar, mas usá-lo directamente
acarreta um perigo acrescido, para além de a omissão de informação sobre o seu
uso traduzir um desrespeito, pelo menos, por normas de precaução e pelos direitos
do consumidor.
Mas não é só do
glifosato que se trata; é, genericamente, do uso e abuso de substâncias químicas
na produção agrícola e frutícola, tão irresponsável e arbitrariamente usadas,
que mesmo os produtos adquiridos nas feiras tradicionais ou directamente a
pequenos produtores estão sob suspeita, às vezes até em maior grau, pois a
ignorância é maior e há menos controle desse tipo de produção. O consumidor é
também, por vezes, mais induzido em erro, por força da sua própria ignorância e
da sobrevivência de uma “ideologia do campo”, porque pensa que, adquirindo “produtos
da província” ou pretensamente “caseiros”, está mais protegido. Aliás, nunca
houve, como agora, o recurso a essa ideologia (talvez, até “mitologia”) para
atrair o consumidor, sinal de que, quanto mais são as referências a uma mítica
província, aos ares lavados da serra e às fontes virginais da natureza, mais
longe estamos de tudo isso.
A comunicação social,
em especial a televisão, bem poderia dedicar mais um pouco do seu tempo a essa
problemática, mas, já se sabe, isso são temas que não interessam ou, pelo
menos, não têm a acuidade de temas como o futebol, as telenovelas e as intrigas
da política e da sociedade. No tipo de ideologia em que vivemos imersos, o que
é fundamental é secundário e o que é secundário é fundamental.
Mas, já agora, duas observações
mais:
No tempo dos governos
de Cavaco Silva, acabou-se com a agricultura, em nome do eldorado da CEE.
Viu-se ao que isso conduziu. Podia-se ter fomentado uma agricultura saudável,
de pequena escala, do tipo de agricultura biológica, hoje cada vez mais em
voga, mas preferiu-se distribuir dinheiro da dita CEE para acabar com a nossa
produção agrícola.
A outra observação diz
respeito ao Tratado Transatlântico que está a ser negociado entre a União
Europeia e os Estados Unidos da América. Negociado? Alguém sabe do que se
passa? Esse famoso tratado, que anda a ser “tratado” subterraneamente, com mil
cuidados, soube-se agora, por uma das benéficas fugas de informação que têm
vindo a acontecer, que fortes lóbis do outro lado do Atlântico, a começar pelo
presidente Obama, e também deste lado, militam a favor do aplanamento de
algumas barreiras que ainda subsistem na Europa ao “livre comércio”, como, por
exemplo, o uso de pesticidas, os transgénicos, as experiências laboratoriais
com animais para o fabrico de cosméticos, para além de uma maior “flexibilização”
das leis do mercado laboral (sabem o que isto quer dizer, não sabem?) e outros
atropelos justificados por uma maior “liberdade comercial”.
Por que negociarão tão
em segredo? Por que andam sempre com a palavra “transparência” na boca, como
conatural à democracia, e tão facilmente escamoteiam a transparência e metem ao
bolso a democracia?