18 abril 2017
O terrorismo hoje
Uma
vez, em 1995, escrevi um texto para o Jornal de Notícias, onde tinha
uma crónica semanal, sobre o terrorismo. Intitulava-se “O deserto
do terrorismo” e seleccionei-o para um livro de crónicas, que dei
à estampa em Dezembro de 2014 com o nome de A Sombra Que
Perpassa.
Nesse
texto, eu profetizava o fim
do terrorismo nestes termos: «O terrorismo já teve a sua aura. Já
foi moda em certos países do Terceiro Mundo e teve os seus
seguidores no Ocidente. Presentemente está pelas ruas da amargura e
os sinais que emite não passam de estertores prenunciando o fim.»
Na
altura, hesitei um pouco sobre se deveria incluir ou não esse texto
na colectânea, juntamente com outros dois sobre o mesmo tema, sendo
certo que eu dispunha de outros textos que poderiam substituí-los e
que só não entraram no volume, por força da extensão imposta pela
editora.
Pois
bem, nestes dias em que temos assistido a mais uma brutal série de
actos terroristas, voltei a lembrar-me desse meu antigo texto e a
relectir sobre a natureza do terrorismo. Então
fez-se-me claro aquilo que, na altura, era subliminar no meu
espírito.
O
terrorismo a que eu me referia nessa época era um terrorismo de
natureza ideológica e política. Por mais degradadas e
isolacionistas
que as formas desse terrorismo viessem
a assumir na sua radicalidade desesperada, o que indiciava o
seu fim próximo, era possível ler ainda nos seus sinais uma
intenção de cariz político e ideológico, quer pelos sujeitos que
o encarnavam, quer pelos adversários a que se opunham (ambos bem
demarcados), quer pela selecção das vítimas e dos locais, quer
sobretudo pelo fim visado, que era sempre, em última instância, o
da tomada do poder.
No
que respeita ao terrorismo actual, principalmente a partir do ataque
às torres gémeas em Nova Iorque,ele coloca-se praticamente nos
antípodas daquele. É um terrorismo inlocalizado, sem território,
protagonizado por bandos ou
pelos chamados «lobos solitários», sem
um ideário político e ideológico e
sem um adversário definido
ao qual se contraponham.
Agindo
em nome de facções minoritárias
do islão, radicalizadas
pelo fanatismo
e por uma vivência primária
da religiosidade, abrangem
no seu ódio não
só outras
confissões religiosas, mas
também outros ramos
do islão que se não
enquadram na sua visão fundamentalista. De
um modo geral, encaram como inimigos a abater todos os grupos e
sociedades que encarnam estilos de vida que eles têm
como afastados do estilo
de vida imposto pela sua interpretação do islão, considerando-os
pecaminosos, depravados,
tomados por Satã. Em particular as sociedades ocidentais representam
para eles o símbolo por excelência desse satanismo, manifestado
nos
mais ínfimos aspectos da vida quotidiana e
estendendo-se ao
modo de organização político-social, que
eles só concebem como legítima quando submetida à lei religiosa (a
sharia).
Por essa via, a sua luta adquire um aspecto de afrontamento
civilizacional e de guerra
santa (a jihad),
ainda que na sua base possa
haver, da parte de muitos combtentes, um ressentimento em relação a
antigas potências coloniais e imperialistas,
a formas de homogeneização cultural que
erradicaram as suas formas tradicionais de vida e à marginalização
imposta pelas sociedades em que acabaram por se não integrar.
Os
seus métodos são de uma violência bárbara, sanguinária,
indiscriminada, visando o maior número de vítimas (por
regra, civis, não importando que sejam homens, mulheres ou crianças)
e
procurando a espectacularidade, o choque e o horror. Desprezando
quaisquer regras ou
convenções, mesmo humanitárias,
usam qualquer processo que
sirva os seus fins, atacando
nos locais mais inesperados onde
haja aglomerados de pessoas (mercados, ruas, recintos desportivos,
centros comerciais,
aeroportos, templos
religiosos),
transformando
em arma de guerra objectos e instrumentos de uso quotidiano e
em artilharia pesada meios
de transporte públicos,
imolando-se eles próprios
como Kamikases ou
instrumentalizando crianças
e adolescentes para servirem de emissários da morte. Assim
disseminam o risco, que é sempre aleatório, e criam um ambiente de
instabilidade e medo generalizado.
Tudo
isto é substancialmente diferente do terrorismo clássico. É
todo um outro paradigma que está em causa. Se o terrorismo clássico
se pode considerar filho da modernidade, esta outra forma de
terrorismo global representa
um retrocesso para o barbarismo e para formas arcaicas de
revolta e de pretensão de domínio.
11 abril 2017
A helenista
Em
Coimbra, o seu nome era pronunciado com grande respeito. O respeito
que é devido a pessoas de autoridade reconhecida. Não fui aluno
dela, porque era de outra área, mas a circunspecção com que era
mencionada por alunos seus como que envolvia todo o universo
académico. Foi sob esse efeito que, anos mais tarde, acabei por
adquirir uma das suas obras de referência: Estudos de História
de Cultura Clássica, que
eu fui lendo, não na totaliadade, mas ao sabor de impulsos do
desejo, primeiro a propósito de Homero, cujas obras – Odisseia
e Ilíada
– também li depois de sair de
Coimbra; depois, a propósito de outros autores clássicos, gregos e
latinos.
Foi
através de uma outra das suas obras -
Hélade
– que eu conheci excertos
de obras de autores cujos nomes vinham ecoando da fundura dos tempos
com sonoridades venerandas: Safo, Heraclito, Píndaro, Xenofonte,
Platão, Aristóteles, Zenão, etc., etc…, para além dos
celebérrimos dramaturgos Ésquilo,
Sófocles, Eurípides, Aristófanes, algumas obras dos quais acabei
por ler na totalidade, em traduções autónomas, algumas da sua
lavra.
Chamava-se
Maria Helena da Rocha Pereira. Curvem-se,
por favor (ou sem favor nenhum), não por força daquela submissão
aos Mestres, mas por um sentimento de lídimo respeito.
10 abril 2017
Les grands esprits se rencontrent
Les grands esprits se rencontrent
Trump
tem vindo a disparar as suas bojardas no Twiter e na Administração
(aqui, emitindo os seus bombásticos decretos), sempre de uma forma
imprevisível e estapafúrdia, provocando distanciamento entre os
aliados tradicionais dos Estados Unidos da América. Porém, desta
vez, disparando mísseis sobre uma base aérea da Síria, parece que
acertou no alvo. Isto, a ajuizar pelas reacções das potências
ocidentais: França, Alemanha e Inglaterra. Trump, finalmente,
praticou uma boa acção, aplicando o correctivo adequado a Bashar-Al
Assad e, com isso, congraçou-se com os velhos amigos
europeus, representados pelos seus três grandes líderes: o
socialista François Holand, a cristã-democrata Angle Merkel e a
conservadora Theresa May.
Foi
uma acção punitiva levada a cabo por conta própria, sem o aval de
uma legítima instituição internacional, mas, caramba!, os Estados
Unidos sempre são o polícia do mundo e Trump mostrou, finalmente,
que tem tudo o que é preciso no devido sítio. Honra lhe seja!
09 abril 2017
Arquivamento imprudente
Já
não é o primeiro caso em que o Ministŕio Público procede ao
arquivamento do processo por se não terem recolhido indícios
suficientes da prática do crime e, subreptícia ou explicitamente,
lança suspeitas sobre o arguido ou faz insinuações que lançam a
suspeita de o ter praticado. A meu ver isso é totalmente
inadmissível. Das duas, uma: ou se recolhe no inquérito prova
bastante e acusa-se; ou a prova carreada é escassa ou mesmo nula
para conduzir a uma acusação e, nesse caso, o Ministério Público
não tem nada que fazer insinuações ou lançar suspeitas. Apenas
tem que expor e fundamentar as razões de tal posição de uma forma
objectiva e isenta. Ir além disso, no sentido que aqui se censura,
pode, em situações-limite, constituir um abuso de poder.
A interminável questão do segredo de justiça
A
questão do segredo de justiça é a questão eterna que não ata nem
desata; está sempre na mesma. Há dezenas de anos que se debate o
tema, frustrantemente. A comunicação social, de quando em quando,
retoma-o, partindo sempre do zero - “Faz sentido manter o segredo
de justiça, quando ele é diária e flagrantemente violado?” - e,
pior do que isso, pondo-se de fora, como se o caso lhe não dissesse
respeito. Hipocritamente apresentam-se as violações do segredo de
justiça como um problema a que a comunicação social fosse alheia
e um encargo de outros, que não também dela. Se as matérias
cobertas pelo segredo de justiça saltam para as páginas dos jornais
e para as emissões de rádio e televisão é porque alguém, que não
jornalista, onerado com a obrigação de guardar sigilo, faz
revelações que não deveria fazer e possibilita a sua publicação
e divulgação nos meios de comunicação social, os quais,
evidentemente, têm a obrigação de dar à estampa o que chega ao
seu conhecimento. Não se confunda o responsável por essas violações
com o mensageiro, afirmam, como se o tal mensageiro fosse uma
entidade totalmente inocente. Já enfastia ouvir esse argumento do
mensageiro.
A
TSF fez, por estes dias, o seu matinal debate sobre o tema. Claro que
o apresentador enumerou as indesejáveis consequências da quebra do
segredo de justiça, em particular os tão ventilados julgamentos na
comunicação social, com arruinamento do bom nome e presunção de
inocência dos arguidos, mas, sintomaticamente, atirou as
responsabilidades por uma modificação do “statu quo” para os
políticos e os magistrados judiciais. No tocante aos órgão da
comunicação social, nem uma pontinha de responsabilidade recairia
sobre os seus ombros. No entanto, são eles que causam os maiores
danos à reputação, honra e bom nome dos visados e que dão azo ao
total esfrangalhamento da decantada presunção de inocência dos
arguidos. Há quem bata com a língua nos dentes e revele aos
jornalistas matéria do segredo de justiça? Pois há. Mas a
publicação e divulgação, que é da responsabilidade deles e
reverte em proveito das empresas para que trabalham, deve ser
encarada como um mero efeito totalmente desculpável de acções
ilegais de outros? E o assédio que tantas vezes os jornalistas (e se
calhar ultrapassando mesmo, em certos casos, a fronteira do assédio)
fazem para obterem as informações? E os jornalistas que se
constituem assistentes nos processos em que qualquer cidadão se pode
constituir como tal (por ex., nos crimes de corrupção), com o fim
de colherem directamente informação processual?
Acresce
que os órgãos de comunicação social têm a obrigação de
respeitar os direitos ao bom nome, honra e reputação das pessoas
envolvidas nos processos, a presunção de inocência dos arguidos,
bem como a obrigação de não efectuarem julgamentos antecipados ou
paralelos, independentemente de o processo se encontrar ou não
coberto pelo segredo de justiça, pois este está sobretudo
vocacionado para tutelar o interesse da investigação e fazer com
que não se frustre o seu objectivo de consecução da verdade.
Todavia, numa grande parte dos casos, sobretudo nos processos ditos
mediáticos, os órgãos de comunicação social fazem tábua rasa
destes direitos. E fazem-no de uma forma autónoma e
auto-responsabilizante.