07 novembro 2017
Ainda as críticas ao acórdão da Relação
Ao
cabo de quase quinze dias, o acórdão da Relação do Porto continua
a suscitar reacções bastante fortes de repúdio. Grande parte delas
veicula ideias erradas, como é típico da ampliação mediática que
estes casos adquirem. Por exemplo: as reacções incidem quase sempre
sobre o relator, como se a decisão fosse da responsabilidade apenas
dele. Quase toda a gente fala do juiz, ignorando ou rasurando a
comparticipação do outro membro do colectivo, por acaso uma mulher.
Será apenas ignorância de que as decisões dos tribunais superiores
são colegiais? Começo a pensar se não haverá nisso uma intenção
deliberada, sobretudo quando as críticas são feitas por
determinadas pessoas que têm uma formação superior à média e que
se inserem em certos quadrantes ideológicos, pessoas interessadas em pôr a nu o machismo da decisão.
Há
dias, ouvi na Antena 1 uma historiadora conhecida, de esquerda, Maria
Irene Pimentel, criticar acerbamente o acórdão. Começou por dizer
que a decisão era co-assinada
(sic) por uma juíza. Porém, daí em diante, apenas falou no juiz
como o único merecedor de toda a diatribe que proferiu. E muitas
mulheres e alguns homens postulam a necessidade de retirada do juiz
do julgamento de casos de violência doméstica. Nunca dos juízes
que assinam a decisão. Por que será? E a minha dúvida vai-se
adensando e ganhando contornos perversos. Será que há quem pense
que existe uma espécie de quota de irresponsabilidade para as
mulheres em situações que tais?
A
senhora desembargadora veio entretanto a terreiro dizer que não
tinha lido a fundamentação (ou, pelo menos toda a fundamentação)
da decisão. De contrário, ter-se-ia oposto à inclusão no acórdão
da passagem polémica que pôs todo o mundo em alvoroço. Mas isso
não faz transferir para o relator todo o peso da responsabilidade
social (abstenho-me de considerações noutro plano) do acórdão. Ao
fazê-lo, não se estará, de certo modo, a minimizar o papel da
mulher no exercício de funções desta natureza, em nome de
estereótipos de género?