14 maio 2018

 

Eutanásia: o meu ponto de vista

Como está em fase final a discussão pública sobre a eutanásia, deixo aqui o meu ponto de vista.


1.                  A inviolabilidade da vida humana, estabelecida pelo art. 24º, nº 1, da Constituição, é essencialmente uma garantia dos cidadãos contra o Estado, revestindo-se, nessa dimensão, de um caráter absoluto, que é explicitado no nº 2 do mesmo artigo.
Mas a proteção da vida não tem sempre o mesmo grau de intensidade.
Desde logo, a vida intra-uterina pode ser sacrificada em certos termos e situações, que a lei hoje acolhe.
Também em certas circunstâncias a vida pode ter que ceder perante outros valores relevantes (legítima defesa, estado de necessidade).
A vida, individualmente considerada, tem que ser encarada como direito, não como dever irrenunciável. Só considerações de ordem religiosa podem sustentar a irrenunciabilidade absoluta do direito à vida.
O direito à autodeterminação individual, que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana, dá cobertura ao direito a renunciar à vida.
Um direito que não é, nem poderá ser, porém, irrestrito. Nem é isso que se pretende reivindicar.
A questão colocada pela eutanásia, hoje, é a de salvaguardar o direito a renunciar à vida em situações extremas, quando a própria dignidade humana está em causa.
Nenhum obstáculo de ordem constitucional existe à consagração da eutanásia.

2.                  Com efeito, o que pretendem os defensores da despenalização da “morte assistida” é tão-só a possibilidade de antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura, a seu pedido.
A “morte assistida” compreende duas modalidades: o “suicídio medicamente assistido”, na qual o doente administra a si próprio o fármaco que lhe é disponibilizado, a seu pedido, pelo médico; e a “eutanásia voluntária”, em que é o médico que, a pedido do doente, administra o fármaco letal. Haverá sempre pedido do doente e intervenção de um médico.
Não valerá a pena enfatizar, mas sempre será bom lembrar, que a defesa da “morte assistida” nada tem a ver com preocupações de ordem eugénica ou economicista, nem assenta numa “desvalorização” da vida humana. Releva de um preconceito malévolo afirmar que a morte assistida abre as portas à progressiva eliminação dos “mais fracos”, ou que há interesses comerciais por detrás da proposta…
O que a “morte assistida” afinal visa não é desvalorizar a vida, mas sim valorizá-la como bem precioso, permitindo que a perda irreparável da dignidade da vida confira ao doente o direito de optar pela sua cessação.
É pois a dignidade da pessoa humana, o seu direito à autodeterminação, que está em causa. É o direito a “morrer em paz e dignidade”, que se pretende salvaguardar, que é afinal um dos corolários do direito à vida.

3.                  Esse direito não é porém irrestrito: a “morte assistida” não pode deixar de ser um direito invocável apenas em situações excecionais, em que a relevância da vontade do paciente seja fortemente sustentável em padrões objetivos.
Assim, não é o mero “desinteresse” pela vida que pode justificar a “morte assistida”, nem sequer quando se trate de um paciente portador de uma doença grave. É imperioso que essa doença seja grave e irreversível, segundo os conhecimentos atuais da medicina; e ainda que se verifique um sofrimento insuportável o paciente. Sem dúvida que aqui haverá inevitavelmente um grau de subjetividade difícil de transpor, mas que os mesmos conhecimentos sempre poderão matizar.







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