10 outubro 2018
Legislar ao sabor da corrente
Há indícios preocupantes de
que estamos cada vez mais inseridos num regime legiferante
(principalmente a nível penal e processual penal) que anda ao sabor
de ondas mediáticas. Basta um qualquer órgão de comunicação
social referir ou fazer alusão a uma qualquer decisão judiciária
que parece chocar uma certa sensibilidade social, muitas vezes
induzida pelos próprios “media”, para que logo apareçam pessoas
indignadas (normalmente com acesso aos mesmos “media”) a
vociferarem contra essa decisão, quase sempre sem a conhecerem,
porque tomam como fonte primária o que veio publicado e não a
decisão que criticam, erro este muito comum mesmo entre pessoas com
responsabilidade social, escolar ou informativa. (Curioso que os
“media” não descubram nenhuma das muito boas decisões dos
nossos tribunais para darem público testemunho delas, mas só
aquelas que são apontadas, com boas ou más razões, como chocantes
e que fazem aumentar o número de leitores, de ouvintes ou de
telespectadores).
O
certo é que as críticas a tais decisões se vão avolumando com o
número multiplicado, por alastramento, de tais críticas. Uma
novidade dos tempos actuais é começar a reclamar-se formação
especializada dos juízes nos vários domínios onde se revelam as
pretendidas deficiências que as críticas que vão sendo feitas
assinalam. Assim, reclama-se formação especializada na área da
violência doméstica (mais concreta e redutoramente, na área da
violência doméstica contra as mulheres); reclama-se depois formação
especializada na área dos crimes sexuais; logo depois, no domínio
dos crimes contra a corrupção, e por aí fora. Mais do que isso:
tem-se reclamado tribunais especializados (suponho que não são
tribunais especiais, de má memória entre nós, por causa dos
tribunais plenários do tempo do fascismo, tribunais especiais esses
que não encontram sustentação na Constituição da República, mas
tribunais especializados) para o julgamento dos crimes ocorridos em
cada uma das áreas onde se notam as referidas deficiências. Às
tantas, só teríamos tribunais especializados e juízes encouraçados
na sua formação especialíssima.
Para
cúmulo de tudo isso, está a solidificar-se cada vez mais um regime
legiferante que se caracteriza pela emissão de leis para dar
resposta pontual a cada situação a que se vai dando relevo
mediático. Agora, fala-se de uma lei para limitar ou mesmo impedir a
substituição da pena de prisão por pena de de prisão suspensa,
nos crimes sexuais. E isto porquê? Porque, na sequência de um muito
criticado acórdão da Relação do Porto que confirmou a suspensão
da pena de prisão num crime de abuso sexual de mulher inconsciente
(a propósito, a comunicação social quase sempre omitiu ou
secundarizou o facto de o relator dessa aresto ter sido uma
desembargadora, dando sobretudo relevo ao juiz que foi seu adjunto),
a comunicação social veio revelar que só 37% de condenações por
crimes de natureza sexual eram de prisão efectiva.
Com
que base científica sólida é que se vai, então, partir para uma
tal lei? É, mais uma vez, a comunicação social que serve de fonte
primária, fidedigna e credenciada para a produção legislativa?
Leiam a lúcida posição exposta no Expresso de sábado passado pela
deputada socialista Isabel Moreira.