27 junho 2019
As arremetidas do bloco central contra o MP saíram derrotadas, mas são bem significativas do incómodo que um órgão autónomo provoca quer no PSD, quer no PS. No primeiro, não há delicadezas: o MP tem de ser controlado politicamente! Aliás, segundo o seu presidente, a justiça funcionava melhor na ditadura!!! (Bela formação democrática! Toda e qualquer coincidência com Orbán será pura coincidência?) No PS, a proposta lacaniana era mais subtil: cortar as vazas ao MP, financeiramente, e na recolha de informação junto de entidades privadas.
Curioso é que o PS tenha um projeto distinto e oposto, em certos pontos, ao do governo... Ah, velho PS, tu resistes! Viram-se páginas, mas tu resistes!
Curioso é que o PS tenha um projeto distinto e oposto, em certos pontos, ao do governo... Ah, velho PS, tu resistes! Viram-se páginas, mas tu resistes!
24 junho 2019
Fascismo penal
Criar tribunais "especializados" para julgar a violência doméstica, com juízes com "formação específica", avessos a "interpretações atenuantes ou desculpabilizantes", "reforçar as penas", acabar com a suspensão da pena nesta criminalidade, é esta a proposta mais uma vez reiterada pelo BE, agora pela pena do camarado PFS. Ou seja, tribunais especiais, com magistrados escolhidos a dedo, que não aceitem desculpas nem atenuantes, deem garantias de dureza na condenação, aplicando um quadro legal mais punitivo, onde esteja excluída a possibilidade de suspensão da pena de prisão!
Isto é fascismo penal, camarado!
Isto é fascismo penal, camarado!
14 junho 2019
o juiz Moro
A
serem verdadeiros os factos dados a lume pelo portal de notícias
Intercept a respeito do juiz brasileiro Sérgio Moro, sobre a
sua actuação no processo Lava Jacto, eles configuram uma gravidade
de tomo. Segundo o que foi revelado, o juiz imiscuiu-se na actividade
do Ministério Público, dando orientações, fornecendo pistas,
apontando erros e canalizando a investigação em determinado
sentido, ou seja, agiu como juiz e como agente daquela magistratura.
Deste modo, sempre em conformidade com tais notícias, violou os
princípios da independência, da imparcialidade, da objectividade e
da isenção. Se juntarmos tudo isso ao facto de ter sido ele o juiz
que instruiu, acusou e julgou Lula da Silva, embora neste último
caso em conformidade com a lei processual do Brasil, que neste ponto
falha um dos requisitos basilares do processo penal democrático, é
caso para dizermos que o juiz actuou como um Leviatã processual.
Independentemente
das consequências processuais, tal comportamento, a ter tido lugar,
configura uma grave responsabilidade disciplinar e pode ser fatal
para a carreira judicial do juiz Moro, se ele, de facto, continuar a
ter pretensões nesse domínio. Mas, mesmo que as não tenha, o seu
crédito ficará irremediavelmente abalado para o exercício de
funções públicas, isto para além do prejuízo para a
credibilidade das instituições judiciárias e do processo contra a
corrupção no Brasil.
Seria
caso para dizer que o ídolo mostrou os seus pés de barro, que,
aliás, já os tinha exibido surpreendentemente ao aceitar ser
superministro de Bolsonaro. Não foi, infelizmente, o primeiro caso a
colar à imagem de Arcanjo Gabriel da justiça a de pouco ortodoxo
aspirante político.
A
reacção de Moro a esta autêntica bomba foi a de afirmar que as
notícias reveladas pela Intercept foram conseguidas
ilegalmente, por intrusão ilícita na esfera privada e que a justiça
iria desencadear uma acção tendente a demonstrar isso mesmo. É
estranho que este juiz, que dá lições de delação premiada em
vários fóruns, recorra a uma tal defesa, quando ele próprio deixou
escapar notícias do processo para a comunicação social, motivando,
pelo menos num caso, um seu pedido de desculpas ao Supremo Tribunal
Federal brasileiro.
05 junho 2019
Ainda a propósito de Agustina
Vou-me
lembrando de Agustina. Assim, por exemplo, não há dúvida de que
Agustina é um portento, quer pela força com que irrompeu no
universo literário, quer pela sua brilhante e surpreendente
intelectualidade, desenvolvida à margem de currículos académicos,
quer ainda pela sua afirmação autónoma, destemida e iconoclasta
como mulher. António José Saraiva qualifica a sua desmesura como
milagre, afirmando que foi, «depois de Fernando Pessoa, o segundo
milagre do século XX português» (Iniciação Na Literatura
Portuguesa, Gradiva).
Agustina
é uma personalidade do Porto, constituindo com Camilo o par mais
brilhante das letras nacionais que adoptou a cidade do Porto como a
do núcleo central da sua vida. Eu, que não me considero bairrista e
que detesto uma certa automitificação portuense, que tem como
correlato uma espécie de ressentimento pela perda da centralidade
histórica da cidade nortenha, gosto da vinculação ao Porto desses
dois vultos maiores da nossa literatura, ainda que não fosse sempre
isenta de desamor, ao menos no caso de Camilo, essa vinculação.
Nas
minhas vagabundagens pela cidade, algumas vezes subi as célebres
escadas do Gólgota, ao cimo das quais se encontra a mansão, que
dizem ter sido de ingleses, onde residiu Agustina. Então gostava de
imaginar que, para além daqueles muros, a velha senhora (porque já
o era em termos de idade) se entregava ao seu labor, fitando por uma
janela o jardim interior quando precisava de encontrar o termo mais
adequado ou aprimorar o lance de uma cena.
04 junho 2019
Tiananmen
Passam
30 anos sobre os acontecimentos de Tiananmen. Mas, afinal, não
aconteceu nada. Pelo menos, para a China oficial. Ou tudo o que
aconteceu caiu num buraco negro. Georges Orwell tinha-os já
previsto, a esses buracos que dão sumiço aos factos da realidade e que desaparecem do horizonte da História.
Previu-os numa ficção de pesadelo, mas entre a realidade e a ficção
não há semelhança nenhuma, como se sabe. Há apenas coincidência.
Agustina Bessa-Luís
Sobre
Agustina escreveria de bom grado, se me fosse dado o talento
necessário para estar à altura da sua escrita. A escrever, só
poderia papaguear o episódico, o circunstancial, o anedótico
biográfico, o que de incomum na sua vida e obra se tornou comum e
banal pela reiteração mediática. A profundidade e singularidade da
sua obra permaneceriam refractárias às minhas pobres tentativas de
a desvelar.
Assim,
neste momento da sua morte
física (a sua morte, em termos de produção literária, e mesmo a
sua ausência de todo o convívio social já ocorreram há mais de 10
anos), apenas lhe rendo a minha homenagem afirmando-me seu continuado
leitor.