16 outubro 2019

 

Apontamentos sobre factos recentes





Foi pena que a geringonça não pudesse vingar para a próxima legislatura, apesar de os portugueses terem apreciado a forma de governo anterior e desejarem uma continuação dessa fórmula, segundo sondagens realizadas durante a campanha eleitoral e que os resultados eleitorais confirmaram, pelo menos numa leitura que parece ser racional e lógica. O BE pretendia um acordo escrito em que algumas medidas suas fossem incorporadas no programa do governo. Os representantes da coligação CDU proclamaram logo na noite das eleições que não estariam dispostos a efectuar qualquer acordo escrito, tendo Jerónimo de Sousa declarado, numa fórmula estereotipada, apoiar todas as medidas que fossem favoráveis aos trabalhadores e ao povo, uma coisa muito vaga, até porque não se sabe o que são, rigorosamente, os trabalhadores, nem o que é, rigorosamente, o povo.
António Costa, por seu turno, não parece estar muito preocupado, pois, segundo declarou, está perfeitamente à vontade para governar sem nenhum guião que envolva os outros partidos.
Esperemos que a orientação que fez do governo anterior um dos mais preferidos do eleitorado possa de certo modo ser prosseguida nas suas linhas gerais sem qualquer geringonça, mas com apoio dos partidos capazes de a levar avante.


O aplaudido Paulo de Macedo, um gestor de largo espectro que tem servido a vários governos bastante diferentes uns dos outros, foi chamado para administrar e endireitar as finanças da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Acontece que, nos meses que leva na sua nova função, já produziu uma obra assinalável: encerrou agências em numerosos locais, com destaque para certos concelhos do interior, criando dificuldades às suas populações; fomentou a despedida de pessoal; aumentou os encargos a suportar pelos clientes, descobrindo novos meios de cobrar receitas; onerou as poupanças dos mais pobres e criou privilégios para os donos de contas mais abonadas. Ora, aqui está uma gestão eficacíssima, inteligente e mui digna de uma banca pública. De se lhe tirar o chapéu.


Não sou capaz de ver nos independentistas catalães, agora condenados pelo Supremo Tribunal de Espanha a duríssimas penas de prisão, um bando de criminosos, como tantos que enxameiam as prisões de cá e de lá. Pedro Sanchez, o actual líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) disse que eles foram condenados por serem criminosos de direito comum. Eu não quero acreditar.

09 outubro 2019

 

Que venha uma nova geringonça






Acho que será evidente para todos que António Costa tentou conquistar a maioria absoluta para ficar com as mãos livres para executar uma política autónoma, sem depender de nenhuma outra força partidária, uma política “sem empecilhos”, como abertamente proclamavam outras personalidades do PS que não precisavam de se refugiar em fórmulas equívocas e abstractas.
A construção governativa que resultou das eleições de 2015 e que ficou conhecida como “geringonça”, um termo que tendo nascido com um sentido pejorativo, acabou por ser adoptado praticamente sem inibições por quem dela participava e mesmo acarinhado pela generalidade das pessoas, resultou de uma conjuntura particular em que o grosso da esquerda portuguesa sentiu a necessidade de sacudir a política da troika e correr com o governo que gostosamente a corporizou e, em certo sentido, a ultrapassou – o governo PSD/CDS – o governo mais à direita que Portugal teve desde o “25 de Abril”.
Essa construção governativa, olhada a princípio com reserva expectante pela generalidade das pessoas e com hostilidade por parte de alguns sectores da sociedade portuguesa, onde se incluíam algumas franjas do PS, acabou mesmo por funcionar bem e com agrado de uma grande parte da população portuguesa, principalmente a que foi mais vitimada com a política da troika e do governo anterior. Esse facto tornou-se evidente nas eleições de domingo passado, que, contra a pretensão de uma corrente do PS, onde estava incluído António Costa, deram como resultado a não atribuição da maioria absoluta a esse partido, aliás na esteira do que anunciavam as sondagens, onde expressamente se questionava esse ponto.
António Costa teve que render-se a essa vontade dos eleitores, tendo reconhecido na noite do passado domingo que a maioria dos eleitores gostou da geringonça e era uma geringonça que voltava a querer, pois a mesma tinha produzido boas políticas no passado. O problema agora é a criação de condições para uma reedição da geringonça, problema que tanto compete ao PS, como aos partidos à sua esquerda. Algum compromisso entre algumas dessas forças partidárias, com cedências de parte a parte, terá de haver para que seja possível a geringonça n.º 2, correspondendo à vontade do eleitorado. Mal era que agora não se pudesse chegar a um entendimento, por cada qual se fechar no seu programa ou na sua ortodoxia ou ainda na sua contabilidade partidária. António Costa tem razão quando diz que os partidos à sua esquerda, se andaram a pedir aos eleitores para não darem a maioria absoluta ao PS, têm agora a obrigação de não frustrarem as expectativas do eleitorado com uma recusa ou dificultação de acordos para a constituição da referida geringonça. E o PS, por seu turno, não pode encerrar-se na ideia de que os outros é que têm de render-se às suas exigências, já que lutaram pela não realização, por si, da maioria absoluta. Uns e outros têm a mesma obrigação perante o eleitorado.

01 outubro 2019

 

Tancos. Thanks.

O processo sobre o caso de Tancos veio fazer um corte epistemológico na campanha eleitoral. Esta mudou completamente, a ponto de já ter deixado de interessar qualquer esclarecimento a que supostamente as campanhas se dirigem. A obsessão, agora, é Tancos, não por causa da relevância do caso em si, mas como instrumento para outros fins que primacialmente são eleitorais, mas que são inconfessáveis, por força da hipocrisia e tortuosidade que lhes subjaz. Então, do ponto de vista das oposições, a acusação do Ministério Público foi providencial. Foi essa acusação que veio dar um alento formidável a quem se posiciona contra o governo, sobretudo à direita, e andava a arrastar a sua existência pelas ruas da amargura. É ver Assunção Cristas, confundindo acusação com certeza provada. É ver Rui Rio e o delírio que o tomou, extravasando completamente dos limites admissíveis mesmo num contexto de luta política e passando a elogiar interesseiramente a independência do Ministério Público, quando é o político que mais o tem atacado e mais quer intervir no seu controle. É vê-los a ambos, exigindo uma interpelação urgente ao governo na Assembleia da República, nos últimos dias da pseudo-campanha.
Mas também à esquerda do PS o caso aproveita e tem sido aproveitado, embora com menos ardor, tendo em vista sobretudo retirar ao PS a maioria absoluta – uma objectivo legítimo, mas que não deveria admitir o emprego de qualquer meio.
Uma tal bomba atómica poderia ter sido evitada, tendo em vista a distorção provocada na campanha e o dano no sistema democrático? Alguém, no PS, segundo certos órgãos de comunicação social, fala de conspiração, mas o semanário Expresso de sábado passado (e é, de momento, a única fonte de que disponho) referia o termo do prazo da prisão preventiva do principal arguido como motivação para o despoletamento, nesta altura, do caso judicial. Sendo assim, não poderia o PS e o governo terem previsto à distância a possibilidade de desfecho do caso em plena campanha eleitoral, sobretudo porque o processo foi sendo arrastado ao longo de meses e era previsível, à semelhança de outros casos, que a acusação fosse ultimada próximo daquele prazo?

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