09 outubro 2019
Que venha uma nova geringonça
Acho
que será evidente para todos que António Costa tentou conquistar a
maioria absoluta para ficar com as mãos livres para executar uma
política autónoma, sem depender de nenhuma outra força partidária,
uma política “sem empecilhos”, como abertamente proclamavam
outras personalidades do PS que não precisavam de se refugiar em
fórmulas equívocas e abstractas.
A
construção governativa que resultou das eleições de 2015 e que
ficou conhecida como “geringonça”, um termo que tendo nascido
com um sentido pejorativo, acabou por ser adoptado praticamente sem
inibições por quem dela participava e mesmo acarinhado pela
generalidade das pessoas, resultou de uma conjuntura particular em
que o grosso da esquerda portuguesa sentiu a necessidade de sacudir a
política da troika
e correr com o governo que gostosamente
a corporizou e, em certo sentido, a ultrapassou – o governo PSD/CDS
– o governo mais à direita que Portugal teve desde o “25 de
Abril”.
Essa
construção governativa, olhada a princípio com reserva
expectante
pela generalidade
das pessoas e
com
hostilidade por parte de alguns
sectores da sociedade portuguesa, onde se incluíam algumas franjas
do PS, acabou mesmo por funcionar bem e com agrado
de uma grande parte da população portuguesa, principalmente a que
foi mais vitimada com a política da troika e do governo anterior.
Esse facto tornou-se evidente nas eleições de domingo passado, que,
contra a pretensão de uma corrente do PS, onde estava incluído
António Costa, deram como resultado a não atribuição da maioria
absoluta a esse partido, aliás na esteira do que anunciavam as
sondagens, onde expressamente se questionava esse ponto.
António
Costa teve que render-se a essa vontade dos eleitores, tendo
reconhecido na noite do passado domingo que a maioria dos eleitores
gostou da geringonça e era uma geringonça que voltava a querer,
pois a mesma tinha produzido boas políticas no passado. O problema
agora é a criação de condições para uma reedição da
geringonça, problema que tanto compete ao PS, como aos partidos à
sua esquerda. Algum compromisso entre algumas dessas forças
partidárias, com cedências de parte a parte, terá de haver para
que seja possível a geringonça n.º 2, correspondendo
à vontade do eleitorado.
Mal era que agora não se
pudesse chegar a um entendimento, por cada qual se fechar no seu
programa ou na sua ortodoxia ou ainda na
sua contabilidade partidária.
António Costa tem razão quando diz que os partidos à sua esquerda,
se andaram a pedir aos
eleitores para não darem a maioria absoluta ao PS, têm agora a
obrigação de não frustrarem as expectativas do eleitorado com uma
recusa ou dificultação de acordos para a constituição da referida
geringonça. E o PS, por seu turno, não pode encerrar-se na ideia de
que os outros é que têm de render-se às suas exigências, já que
lutaram pela não realização, por si, da maioria absoluta. Uns e
outros têm a mesma obrigação perante o eleitorado.