10 dezembro 2019
Reformas para a justiça
Das reformas projectadas para
a justiça, concordo com algumas delas, mas outras vejo-as com
reserva, senão mesmo com desconfiança. É o caso da “delação
premiada”, ou, para empregar o eufemismo com que tentam dar outro
rosto à medida, “colaboração premiada”. Há sobretudo um
problema ético na medida que me é difícil ultrapassar. O direito
não deve socorrer-se de meios de prova que atropelam princípios
basilares da ética das relações humanas. Isto para além de a
referida medida poder conduzir com facilidade a situações de
atropelo de direitos fundamentais, de regras basilares do direito
processual e de justiça. O problema é agravado pelo facto de a tal
“colaboração premiada” poder ser forçada ou, pelo menos,
incentivada por quem investiga com promessas de benefício processual
para o arguido que denunciar outras pessoas – benefícios que podem
ser de monta, pois podem ir até à isenção de pena. A tentação
de quem investiga também não é tão secundária como pode parecer,
pois que o afã do investigador é obter êxito na investigação e,
por vezes, esse afã está acima de qualquer outro interesse. Se, de
facto, a referida “colaboração” fosse inteiramente espontânea
e da livre iniciativa de quem pretende “colaborar”, ainda vá que
não vá, mas é claro que há sempre o forte incentivo do prémio a
inquinar essa liberdade e espontaneidade.
Relativamente aos tribunais
especiais ou especializados, também tenho as minhas reservas. Para
já, a medida implica uma alteração do texto constitucional e isso
representa logo uma advertência. Depois, com mais um pouco de
esforço, não teremos tribunais comuns, mas só tribunais
especializados, com juízes especialistas em crimes de violência
doméstica, em crimes sexuais, em crimes contra os menores, em crimes
económicos, em crimes de corrupção e por aí fora. Tanta
especialidade somada não sei se redundará em melhor justiça.