03 abril 2015
Manoel de Oliveira II
O funeral de Manoel de
Oliveira foi muito concorrido. Estiveram presentes as obrigatórias altas
personalidades da política, pessoas ligadas ao cinema e à cultura, gente famosa
internacionalmente, como o actor Jhon Malcovitch, que fez questão de ir ao
cemitério de Agramonte e muitas, muitas pessoas anónimas. Entre estas, muitas
pessoas do povo. O que é que terá movido estas pessoas a participarem na “última
despedida” ao cineasta? Eis uma interrogação que me fui pondo enquanto
aguardava o préstito fúnebre. Manoel de Oliveira não era propriamente um
cineasta muito popular. Antes pelo contrário. Era um artista de cunho erudito,
de difícil penetração nas camadas populares e mesmo de pouca aceitação nos
estratos de cultura massificada, com o seu cinema de ritmo lento, um pouco
teatralizado, fazendo lembrar, às vezes, Karl Theodor Dreier, e com uma temática
muito selectiva.
É claro que também
produziu filmes como Aniki Bóbó, Douro
Faina Fluvial – filmes de uma fase recuada – e, mais recentemente, O Porto da minha infância, que certamente
calaram fundo na alma de muitos portuenses e susceptíveis, sobretudo o
primeiro, de criarem uma espécie de legenda popular. Mas isso bastaria para
atrair tantas pessoas anónimas e do povo? Quase que senti vontade de perguntar
a muitas dessas pessoas que me rodeavam o que sentiam por Manoel de Oliveira.
Espontaneamente, porém, as pessoas minhas vizinhas começaram a falar comigo,
numa atitude muito portuense (ou nortenha?) e, às tantas, verifiquei com
espanto que sabiam muito mais coisas da vida pessoal e familiar de Manoel de
Oliveira, do que eu. Fiquei varado, como se costuma dizer.
Influência da comunicação
social, sobretudo da televisão, que nestes dois últimos dias tem dedicado
largos espaços ao cineasta? O facto de Manoel de Oliveira ser indiscutivelmente
uma figura portuense, a que sua mais do que provecta idade conferia uma aura de
singularidade, despertando uma espécie de enternecida admiração?
O certo é que ouvi várias
destas pessoas afirmarem que Manoel de Oliveira era do Porto e que do Porto
seria sempre, do Porto não sairia, querendo elas aludir à hipótese,
inimaginável, de o levarem para o Panteão Nacional.
Ao ouvir isto, despertaram-se-me,
do fundo de uma memória ancestral, arreigados sentimentos de um orgulho muito
próprio, que se diz ser atributo do carácter da velha Cidade Invicta e que se
traduz, na prática, num inalienável amor aos seus filhos mais dilectos.
Está visto! Se quiserem
levar Manoel de Oliveira para o panteão, terão de criar um na cidade do Porto.