26 dezembro 2005
Novo quadro para a política criminal (4) - As polícias e o Governo
A propósito de novos quadros para a política criminal como já se referiu (1, 2 e 3) a definição de modelos efectivos de prestação de contas constitui um imperativo democrático.
A proposta do Governo de uma Lei-Quadro de Política Criminal apesar de centrar o enfoque na criação de mais um instrumento de definição de política criminal, revela um novo sistema de prestação de contas ou escrutínio, por um lado a nova forma de definição político criminal (resolução da Assembleia da República com reserva de iniciativa do Governo), por outro a identificação dos destinatários desse novo instrumento.
Enquanto órgãos politicamente conformadores parece natural que o Parlamento e o Governo fiquem vinculados no âmbito das respectivas competências às resoluções (embora estejam por esclarecer as novas vias de preparação das definições de política criminal e de escrutínio, nomeadamente através de estudos de instituições cientificamente credíveis, dos efeitos criminológicos das leis e resoluções).
Já quanto aos destinatários que terão de responder pela sua execução parece indubitável a referência ao Ministério Público, o órgão constitucional autónomo com a titularidade da acção penal e responsável pela defesa da legalidade democrática. As questões essenciais neste segmento centrar-se-ão nos termos de fixação (e respectivos efeitos) de uma comunicação da Assembleia da República com pretendidas pretensões de conformação política da acção do MP por via distinta da lei (parece que se quis acentuar a dimensão não normativa da mesma ao fixar a forma de resolução).
Contudo, na proposta de lei do governo são também referidos como destinatários os «órgãos de polícia criminal e os departamentos da Administração Pública que apoiem as acções de prevenção e a actividade de investigação criminal» para que os mesmos observem «na distribuição de meios humanos e materiais, os objectivos, prioridades e orientações constantes das resoluções sobre a política criminal» (art. 11.º, nº 3 da proposta).
A criação de um espaço de acção dos órgãos de polícia criminal, em que de forma autónoma (relativamente ao MP e ao Governo) procedam à conformação das directrizes de política criminal fixadas pelo Parlamento é, antes do mais, constitucionalmente duvidoso atentos os arts. 219.º e 272.º da Constituição (já que se trata de órgãos dependentes de órgãos constitucionais, estes sim responsáveis pela prolação das medidas necessárias a conformar a actividade de repressão criminal).
Acresce que a pluralidade de responsáveis pela direcção da execução (recorde-se que mesmo não pensando nos outros departamentos da Administração Pública os órgãos de polícia criminal são múltiplos e inseridos numa pluralidade de ministérios, nomeadamente, Administração Interna, Justiça, Finanças, Defesa, Economia, Ambiente...) implica a dispersão das coordenadas de execução política (ao arrepio do que se apresenta como uma preocupação de unidade político criminal das instâncias formais de controlo).
Mas para além disso esta variação de interlocutor marca a desresponsabilização executiva do Governo que é o responsável jurídico-político pela execução da política criminal em sede de dotação de meios das instâncias de repressão criminal e pela direcção dos órgãos de polícia criminal e departamentos da Administração Pública naquilo em que estes não estejam subordinados ao Ministério Público (por força do sistema de (r)estrita dependência funcional da autoridade judiciária).
Em resumo, a responsabilidade jurídico-política pela assunção de prioridades e orientações traçadas pela Assembleia da República em sede de repressão criminal não pode competir às polícias mas ao Ministério Público e ao Governo, devendo as duas entidades prestar contas sobre a execução da política criminal definida pela Assembleia da República. Pois é preciso evitar que no momento de prestação de contas um governo, um qualquer governo, não assuma a sua responsabilidade dizendo que afinal «esta não é a minha polícia».