23 janeiro 2006

 

Uma colherada endiabrada…

Pois é século XXI, nem sei que te diga, com tanta falta de surpresas: mas, enfim, ainda ontem, no jornal público, era realçada a possibilidade… longínqua… do «chefe espiritual dos anglicanos poder vir a ser uma mulher, mas nunca antes de 2012»!!!

Essa tão acarinhada visão “conciliadora” da religião com os princípios subjacentes às sociedades democráticas (sintetizados, por economia, no respeito da dignidade humana e na defesa da pluralidade e da tolerância), independentemente de crenças ou da fé de quem acredita, não deixa de alimentar … mais uma ilusão humana.

O fenómeno é mundial: as diversas religiões continuam, hoje em dia, a colocar a mulher em lugar subalterno e a ver, no masculino, a almejada dignidade humana.

E, pior do que isso: mulheres existem que aceitaram o estigma da impureza e da maldade, catalizando o sinal de inferioridade… há até quem acredite, nos nossos dias (pasme-se ou admire-se), que nascer mulher significa um castigo superior, pelas maldades feitas em vida anterior…

Símbolos, imagens, significados que passam de geração em geração por esse mundo fora, representando o domínio do poder da religião sobre a humanidade não agnóstica mas, com repercussão na que é agnóstica ou ateia…

Na religião católica, mesmo às freiras são vedadas determinadas funções ou actividades reservadas (de forma absoluta) aos padres. Porquê?

Noutras religiões, só para dar alguns exemplos, existem locais de oração separados em função do sexo da pessoa. Até há locais, considerados sagrados, a que as mulheres não podem aceder, nem sequer aproximar-se de figuras que se veneram.

Tal como a visão do crucifixo no catolicismo romano, em qualquer religião, a imagem de Deus ou do “Chefe Supremo” ou até dos seus representantes directos na terra é, em geral, sempre masculina…e habitualmente de raça branca ou amarela.

E, as mulheres (que até são em maior número) continuam subjugadas … e quem se interessa? Muitos dirão: problema delas! E pensam: ainda bem que é assim…

Olhando para os princípios e valores inerentes a cada religião (apesar das diferenças, em geral assemelham-se nas linhas de força e nas conclusões), até que ponto são compatíveis com as exigências das “revoluções” ou mesmo com as da vida (e cultura) moderna?
Aqui não vale confundir a prática de cada crente (mais ou menos aberta e tolerante, admitindo aquele «espaço de transgressão razoável») com o que está “escrito” e continua a ser interpretado ou veiculado…

A neutralidade e a não imposição de regras de conduta, nem de privilégios, não obstante as contradições existentes, deve ser o caminho a divulgar e a interiorizar.

O Estado, quando se quer libertar, diz (com mais ou menos coragem) que é laico.
Claro que a vida comunitária e a inerente cultura não deverão ser “programadas”, nem “orientadas”: a solução é ensinar, praticando a tolerância e a pluralidade.
Também a religião, seja ela qual for, deverá ocupar apenas o seu próprio lugar.

É importante saber identificar e reconhecer as fronteiras e limites de cada espaço: seja o político, o religioso, o cultural etc., sempre combinando a forma como cada sociedade está organizada com a necessária evolução e progressão, que nunca poderá ser contida.

O mal é que há sempre essa vontade de dominar ou de ser dominado…e as contradições aparecem quando se quer impor e perpetuar uma só visão… tantas vezes à custa da exploração da ignorância aliada à conveniente conservação do atraso…basta caminhar um pouco (como agora se diz) por esse Portugal profundo…





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