03 março 2006

 

Direito à blasfémia

Sem querer polemizar, mas afrontando o risco, devo dizer que reivindico o direito à blasfémia (embora sem intenção de o usar).
Vem isto a propósito da intervenção do Cardeal Policarpo (figura aliás que muito respeito a vários títulos). É que, por um lado, o conceito de blasfémia é muito flexível, dependendo muito da sensibilidade dos crentes. Por outro, a blasfémia só existe, ou só tem relevância, verdadeiramente onde e quando ela é transgessora. Ela desafia a intolerância e pega em armas pela liberdade.
Foi como transgressão que ela foi usada por Aretino e por Bocage, para dar dois exemplos históricos superlativos. Mais recentemente citaria Dario Fo e Luiz Pacheco, cada um no respectivo contexto nacional. O blasfemo só faz mossa em sociedades integralistas, onde é "pecado" (e proibido, banido, punido, etc.) "dizer mal" da ortodoxia religiosa (geralmente religioso-política). Onde as confissões são tolerantes e abertas, o blasfemo cai no ridículo e cala-se. Por isso, eu reivindico o direito à blasfémia: porque é uma componente do direito à liberdade de expressão.
Mas atenção: o autêntico blasfemo não satiriza a religião dos "outros" - luta "dentro de muros". Por isso, não considero "blasfemas" as caricaturas dinamarquesas, que não visam conquistar um espaço de liberdade na sociedade dinamarquesa (nem a ajudou a conquistar nos países muçulmanos), mas "achincalhar" as crenças de sociedades alheias. Não é que tal seja ilegítimo ou proibido. É apenas inoportuno e perigoso, atendendo ao estado das coisas a nível internacional.
É fácil blasfemar quando não se correm perigos. Mas o verdadeiro blasfemo transgride e desafia. Esse o seu mérito e a sua glória. E o seu risco. Os nomes acima citados são testemunhos.





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