29 março 2006
A ficção e a realidade
Quem diz que a realidade não tem nada a ver com a ficção, ou que esta é menos verdadeira do que aquela? Ou ainda que há menos carga de fantástico no real do que no ficcionado? A ficção conta uma mentira que é mais verdadeira do que a verdade (Javier Cercas, em entrevista ao «Mil Folhas» de 11/3/06). E quanto ao aspecto fantástico, por vezes a realidade ultrapassa a ficção mais arrojada (ver Gabriel Garcia Marquez, que disse que tudo quanto de fantástico escreveu o bebeu na realidade e que esta sempre foi além da sua invenção). Outras vezes ainda é a ficção que desfigura a realidade para a tornar mais verdadeira.
Kafka criou um mundo monstruoso para nos dar o retrato de uma sociedade burocratizada e desumanizada. Agora, a propósito de tudo e de nada, vem Kafka à baila com uma familiaridade que pareceria antagónica do seu mundo tão estranho. E até as próprias instâncias que costumam ser a fonte da burocracia invocam Kafka em nome da simplificação da teia burocrática dos serviços. Assim é que se inventou um «teste Kafka», nome que, segundo o «Público» de 28 deste mês, foi conferido pelos belgas a um «instrumento técnico de que o legislador dispõe para avaliar (…) os custos para o cidadão e empresas derivados do cumprimento de formalidades administrativas» e que será posto em prática entre nós para testar as medidas de simplificação da Administração Pública que o governo de Sócrates se propõe implementar.
Quem diz que entre a ficção e a realidade não há influências recíprocas? Kafka não imaginaria que a sua obra de ficção, que ele quis destruir, mas que o seu in(fiel) amigo Max Brod resolveu salvar, traindo o desejo do escritor checo, viria um dia a servir para tão louváveis intuitos.
Resta-nos esperar para ver o resultado do teste, aguardando a tão propalada «metamorfose» da Administração Pública portuguesa.
Se o teste passar, Sócrates bem poderá obter, como prémio, a medalha Kafka, a criar pela comissão de medalhas e condecorações honoríficas (fora de brincadeiras).
E por que não criar o prémio Nobel da «deskafkianização»?
Kafka criou um mundo monstruoso para nos dar o retrato de uma sociedade burocratizada e desumanizada. Agora, a propósito de tudo e de nada, vem Kafka à baila com uma familiaridade que pareceria antagónica do seu mundo tão estranho. E até as próprias instâncias que costumam ser a fonte da burocracia invocam Kafka em nome da simplificação da teia burocrática dos serviços. Assim é que se inventou um «teste Kafka», nome que, segundo o «Público» de 28 deste mês, foi conferido pelos belgas a um «instrumento técnico de que o legislador dispõe para avaliar (…) os custos para o cidadão e empresas derivados do cumprimento de formalidades administrativas» e que será posto em prática entre nós para testar as medidas de simplificação da Administração Pública que o governo de Sócrates se propõe implementar.
Quem diz que entre a ficção e a realidade não há influências recíprocas? Kafka não imaginaria que a sua obra de ficção, que ele quis destruir, mas que o seu in(fiel) amigo Max Brod resolveu salvar, traindo o desejo do escritor checo, viria um dia a servir para tão louváveis intuitos.
Resta-nos esperar para ver o resultado do teste, aguardando a tão propalada «metamorfose» da Administração Pública portuguesa.
Se o teste passar, Sócrates bem poderá obter, como prémio, a medalha Kafka, a criar pela comissão de medalhas e condecorações honoríficas (fora de brincadeiras).
E por que não criar o prémio Nobel da «deskafkianização»?