29 junho 2006
Oito anos depois (ou oito anos perdidos)
Transcrevo, sem mais, o texto que enviei para uma sessão realizada pela UMAR no Porto no dia em que se perfizeram oito anos sobre o referendo (frustrado e frustrante) de 1998 sobre a despenalização da IVG.
Oito anos perdidos
Há oito anos o povo português foi chamado a pronunciar-se em referendo sobre a despenalização do aborto por opção da mulher nas primeiras 12 semanas de gravidez. Como se sabe, a maioria votou contra a proposta, mas o referendo não foi vinculativo, por terem comparecido menos de metade dos eleitores. A Assembleia da República podia ter continuado o processo legislativo e aprovado na especialidade a lei, para o que dispunha de maioria parlamentar. A desistência de levar por diante o processo legislativo constituiu um acto de inadmissível cedência às forças retrógradas que continuam a opor-se a qualquer evolução legislativa nesta matéria, como cedência tinha já sido a convocação do referendo, combinada à pressa entre os dirigentes máximos do PS e do PSD já depois de aprovada a despenalização na generalidade. Esse referendo não foi pedido por nenhuma força política ou da sociedade civil, nem por nenhum movimento de cidadãos. Por isso, não espanta que o eleitorado dele se tenha alheado, numa demonstração, aliás, de que delegava na Assembleia da República a resolução do problema. Não houve nenhuma vitória do “não”. Porque nos referendos só há vitórias quando são vinculativos. A falta de carácter vinculativo de um referendo traduz-se na devolução do poder legislativo à Assembleia da República. A Assembleia tinha, assim, toda a legitimidade jurídica e política para legislar.
Nestes oito anos decorridos desde o referendo de 1998, pouco ou nada se modificaram as condições em que as mulheres abortam ou as razões que as levam a abortar. A morte da Lisete do Aldoar mostra-nos que não é uma figura de retórica falar dos perigos que enfrentam as mulheres mais pobres quando recorrem ao aborto. Os diversos julgamentos realizados confirmam-nos que é real o perigo de as mulheres que abortam sofrerem a humilhação da exposição pública em tribunal e mesmo de serem condenadas.
Oito anos depois, a questão da despenalização do aborto continua enredada num novelo de hesitações, cedências e contradições por parte de muitos dos que se dizem seus defensores e que têm altas responsabilidades passadas e presentes na manutenção deste impasse. A insistência na realização de novo referendo, já depois de inviabilizada a sua realização em 2005, alegadamente em cumprimento de “promessas eleitorais” (preocupação aqui especialmente levada a sério!), revela o receio de enfrentar o problema e os opositores da despenalização, já que existem condições jurídicas e políticas para resolver o problema por via parlamentar.
A realização de novo referendo é incerta se e quando, pois depende sobretudo do Presidente da República, que é quem o convoca (ou não!). Se for efectivamente convocado, todos os partidários da despenalização têm de unir-se em torno dessa causa e formar um grande movimento cívico que dê corpo à vontade maioritária do povo português de consagrar o direito de opção da mulher em matéria de maternidade e que leve o eleitorado a exprimir veementemente essa vontade no referendo.
Oito anos perdidos
Há oito anos o povo português foi chamado a pronunciar-se em referendo sobre a despenalização do aborto por opção da mulher nas primeiras 12 semanas de gravidez. Como se sabe, a maioria votou contra a proposta, mas o referendo não foi vinculativo, por terem comparecido menos de metade dos eleitores. A Assembleia da República podia ter continuado o processo legislativo e aprovado na especialidade a lei, para o que dispunha de maioria parlamentar. A desistência de levar por diante o processo legislativo constituiu um acto de inadmissível cedência às forças retrógradas que continuam a opor-se a qualquer evolução legislativa nesta matéria, como cedência tinha já sido a convocação do referendo, combinada à pressa entre os dirigentes máximos do PS e do PSD já depois de aprovada a despenalização na generalidade. Esse referendo não foi pedido por nenhuma força política ou da sociedade civil, nem por nenhum movimento de cidadãos. Por isso, não espanta que o eleitorado dele se tenha alheado, numa demonstração, aliás, de que delegava na Assembleia da República a resolução do problema. Não houve nenhuma vitória do “não”. Porque nos referendos só há vitórias quando são vinculativos. A falta de carácter vinculativo de um referendo traduz-se na devolução do poder legislativo à Assembleia da República. A Assembleia tinha, assim, toda a legitimidade jurídica e política para legislar.
Nestes oito anos decorridos desde o referendo de 1998, pouco ou nada se modificaram as condições em que as mulheres abortam ou as razões que as levam a abortar. A morte da Lisete do Aldoar mostra-nos que não é uma figura de retórica falar dos perigos que enfrentam as mulheres mais pobres quando recorrem ao aborto. Os diversos julgamentos realizados confirmam-nos que é real o perigo de as mulheres que abortam sofrerem a humilhação da exposição pública em tribunal e mesmo de serem condenadas.
Oito anos depois, a questão da despenalização do aborto continua enredada num novelo de hesitações, cedências e contradições por parte de muitos dos que se dizem seus defensores e que têm altas responsabilidades passadas e presentes na manutenção deste impasse. A insistência na realização de novo referendo, já depois de inviabilizada a sua realização em 2005, alegadamente em cumprimento de “promessas eleitorais” (preocupação aqui especialmente levada a sério!), revela o receio de enfrentar o problema e os opositores da despenalização, já que existem condições jurídicas e políticas para resolver o problema por via parlamentar.
A realização de novo referendo é incerta se e quando, pois depende sobretudo do Presidente da República, que é quem o convoca (ou não!). Se for efectivamente convocado, todos os partidários da despenalização têm de unir-se em torno dessa causa e formar um grande movimento cívico que dê corpo à vontade maioritária do povo português de consagrar o direito de opção da mulher em matéria de maternidade e que leve o eleitorado a exprimir veementemente essa vontade no referendo.