10 julho 2006
A ausência de Deus
Desta vez, coube ao arcebispo de Valência a sua vez de perguntar a Deus onde é que ele se encontrava quando se deu a tragédia do Metro, na qual perderam a vida quarenta e tal passageiros e muitos outros ficaram feridos. O Papa Bento XVI abriu a torneira por ocasião da sua recente visita ao campo de Aushwitz, interpelando o Deus das alturas, de que é o representante directo : “Onde estavas, Senhor quando se deu a tragédia?”, inspirando-se, porventura, no célebre lamento de Cristo agonizando na cruz: “Pai, Pai, porque me abandonaste?” e agora o rastilho que ateou é muito capaz de correr a velocidade considerável e ribombar de eco em eco sempre que ocorra qualquer cataclismo ou evento trágico. Já se sabe: se o mais grado superior da Igreja católica, aquele que é o sucessor de Pedro na cátedra de Roma (“Pedro, tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”) se atreveu a interpelar Deus sobre a Sua inexplicável ausência no mais emblemático genocídio da era moderna e de todos os tempos, por que não hão-de os mais altos dignitários da hierarquia católica seguir-lhe o exemplo, e a breve trecho não só os mais altos dignitários, mas os oficiantes ordinários e todo o povo de Deus? Dentro em pouco, o exemplo converter-se-á em moda e ouvir-se-á interpelar Deus, seja a propósito de catástrofes naturais, seja de tragédias humanas provocadas por acidentes involuntários, de que a negligência poderá não estar ausente, ou mesmo crimes hediondos deliberadamente cometidos.
Em tempos mais recuados, os cataclismos naturais e até certas tragédias provocadas pelos homens eram considerados por crentes como castigos de Deus, se bem que os espíritos lúcidos sempre tivessem reagido contra tal entendimento, às vezes correndo o risco de serem fulminados com um anátema e de serem queimados na fogueira. Ainda hoje as coisas se passarão mais ou menos assim em sociedades que não distinguem o sagrado do profano, a lei divina da humana e mesmo das leis da natureza, e que fundaram regimes teocráticos. Porém, a ideia de castigo divino, hoje, cola mal em sociedades laicas, nas quais progride uma mentalidade, senão ateia, agnóstica. A forma de tornar Deus presente é interpelá-lo na Sua ausência. Mas, assim, não se estará também a negar a existência desse mesmo Deus? A dizer que Ele fecha os olhos às numerosas desgraças que assolam povos e regiões inteiras do globo, desastres que têm cada vez mais escala planetária, crimes de genocídio, condenações à morte de populações inteiras por negligência, omissão e escandalosa falta de solidariedade? E mais do que isso: que em Ele tolera que em Seu nome se continuem a praticar tantas patifarias, intolerâncias absurdas, os crimes mais horríveis?
E não será negar, do mesmo passo, o homem como ser livre, consciente e responsável pelos seus actos e consequências?
Em tempos mais recuados, os cataclismos naturais e até certas tragédias provocadas pelos homens eram considerados por crentes como castigos de Deus, se bem que os espíritos lúcidos sempre tivessem reagido contra tal entendimento, às vezes correndo o risco de serem fulminados com um anátema e de serem queimados na fogueira. Ainda hoje as coisas se passarão mais ou menos assim em sociedades que não distinguem o sagrado do profano, a lei divina da humana e mesmo das leis da natureza, e que fundaram regimes teocráticos. Porém, a ideia de castigo divino, hoje, cola mal em sociedades laicas, nas quais progride uma mentalidade, senão ateia, agnóstica. A forma de tornar Deus presente é interpelá-lo na Sua ausência. Mas, assim, não se estará também a negar a existência desse mesmo Deus? A dizer que Ele fecha os olhos às numerosas desgraças que assolam povos e regiões inteiras do globo, desastres que têm cada vez mais escala planetária, crimes de genocídio, condenações à morte de populações inteiras por negligência, omissão e escandalosa falta de solidariedade? E mais do que isso: que em Ele tolera que em Seu nome se continuem a praticar tantas patifarias, intolerâncias absurdas, os crimes mais horríveis?
E não será negar, do mesmo passo, o homem como ser livre, consciente e responsável pelos seus actos e consequências?