05 julho 2006

 

Deus, a Virgem Maria e o Mundial

Coitados de Deus e da Virgem Maria! Imagino o que eles não hão-de sofrer com estas coisas do “Mundial”! Tantos rogos, tantos pedidos, tantas promessas! É este que pede protecção para uma jogada; aquele que implora um remate indefensável para um penalti; aqueloutro que solicita uma hora de fraqueza para o adversário e uma hora de especial pujança para a sua equipa. Que a selecção nacional seja vencedora!, conclamam muitos milhões de portugueses. E o mesmo pedirão muitos milhões de franceses, que são em maior número, e de italianos, que têm o privilégio de ter o Papa em Roma.
Muito divididos se hão-de sentir Deus e a Virgem Maria para acudirem a tantas solicitações contraditórias! E o pior é que são pedidos que têm o seu quê de corrupção, porque o que se lhes pede é que favoreçam uns e desfavoreçam outros, que a uns dêem a glória e a outros a humilhação da derrota, que transformem uns em vencedores e outros em vencidos. Isto, sendo Eles Pai e Mãe de todos! É cruel!
Nisto, não houve progresso nenhum de há três ou quatro mil anos a esta parte. Há três ou quatro mil anos atrás, a divindade interferia directamente nos jogos dos homens, que eram sobretudo as guerras, actuando a favor deste ou daquele, segundo as suas simpatias. Os deuses (porque eram muitos nesses tempos pagãos) tinham defeitos humanos e, por isso, tinham inclinações parciais, chegando a zangar-se uns com os outros por causa das suas paixões, que entravam em choque umas com as outras. Nos tempos do Renascimento, vários artistas reproduziram esse universo a um nível simbólico e entre eles Camões, que n’ “Os Lusíadas” atribuiu à formosa e sensual Vénus uma protecção da gente lusíada que atingiu extremos de magnanimidade erótica, e a Baco, o odioso de engenhosos entraves colocados ao valoroso esforço lusitano.
Agora que Deus e a Virgem Maria sejam os directos herdeiros desse tipo de favoritismo é obra! Nem ao menos Os deixam encarar o jogo como um jogo, isto é, como obra em que o acaso também é lei. Nem ao menos Os deixam ter a liberdade de deixarem de interferir num domínio em que também Eles têm o direito de se absterem dos seus poderes divinos!





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