03 julho 2006

 

Interpretação constitucional, política e escrutínio - ainda a propósito da jurisprudência do Supremo Tribunal dos EUA

Na sequência de dois outros postais (aqui e aqui), sobre decisões do Supremo Tribunal dos EUA proferidas nos últimos 15 dias período em que foram publicitadas várias outras decisões muito interessantes sobre diferentes matérias, queria destacar o acórdão United States v. Gonzalez-Lopez (26-6-06), também sobre processo penal, em que a maioria foi formada pelos 4 juízes considerados mais «liberais» e o juiz Scalia (que foi o relator). Este alinhamento atípico parece-me marcado pela circunstância de Antonin Scalia (considerado um dos juízes mais «conservadores» ou mais à «direita») ter adoptado na análise do problema constitucional concreto uma leitura aparentemente de raiz mais técnico-jurídica (ou mais compreensível à luz de uma interpretação «interna» no sentido empregue aqui). Com efeito, Scalia à casuística ponderação de valores em função dos fins da norma terá preferido a pré-definição de categorias abstractas em que existe menor margem de avaliação judicial da concreta funcionalidade do princípio constitucional. No fundo, tal metodologia restringe a dimensão política de uma actividade judicial de ponderação de valores, cujo carácter político (encoberto em discursos mais ou menos alinhavados em argumentário jurídico) conjugado com o défice de legitimação democrática, é criticada por Habermas (de reconhecidos galões liberais) ao analisar os modelos de decisão do Supremo Tribunal dos EUA e do Tribunal Constitucional alemão em face da sua teoria procedimental.
Independentemente da tese perfilhada, sobre se o «balancing» ou a «concordância prática» é uma actividade materialmente política ou essencialmente uma autónoma actividade lógico-jurídica (diga-se, de passagem, que não me parece nada convincente a resposta de Alexy a Habermas, ao invocar a este respeito uma destrinça entre lógica geométrica e aritmética), a identificação da marca política da actividade «judicial» de fiscalização da constitucionalidade é facilitada no caso dos EUA. Não só pelos modelos retóricos aí adoptados, mas também pelo maior escrutínio externo que se expressa na ampla literatura crítica e na atenção aos dados empíricos, que levam a que aí a opinião não seja contraposta a conhecimento.
Trata-se de mais um sinal democrático, o levantamento, tratamento e divulgação de dados objectivos, quer mais específicos sobre temáticas determinadas, quer genéricos como as estatísticas da formação de maiorias num período de dez anos em que o corpo de nove juízes do Supremo Tribunal se mateve inalterado (análise publicada na Harvard Law Review), ou mesmo as tabelas disponibilizadas relativas a um período muito curto como os alinhamentos dos juízes na nova formação, em que Roberts Jr. e Alito substituíram respectivamente Rehnquist e Sandra O’Connor (tabela relativa «apenas» aos 45 casos decididos por maioria depois do falecimento do antigo presidente Rehnquist).





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