26 setembro 2006

 

As memórias do Procurador-Geral

O sociólogo Paquete de Oliveira, que escreve no Jornal de Notícias, na última quinta-feira escreveu que Souto Moura, se um dia quisesse e pudesse escrever as suas memórias, poderia causar um abalo, não sísmico, mas político e social. Presumo que Paquete de Oliveira, que conhece bem o ainda Procurador-Geral da República do Centro de Estudos Judiciários, não falou assim por conhecimentos que tenha dos segredos de Souto Moura, mas por deduzir de toda uma série de factos que ocorreram nestes últimos anos e da leitura aparente e latente que eles propiciam, que o Procurador-Geral terá muito para contar e muita coisa escabrosa, que, se viesse a lume, provocaria uma espécie de terramoto. Eu também tenho esse pressentimento.
Souto Moura teve um consulado muito difícil e, à parte erros que cometeu, que são inegáveis, suportou estoicamente o mais verrinoso e sistemático ataque que alguma vez se viu ser desferido contra uma entidade com responsabilidades públicas. Um ataque que mais pareceu um linchamento e que desceu ao achincalhamento canalha. Aliás, um ataque que continua, em vésperas da sua saída, com aspectos de retaliação que só podem encontrar raiz no ódio e no ressentimento. A este propósito, convoquem-se aqui atitudes como a do vice-presidente da bancada do Partido Socialista, que a pretexto de evitar uma sua ida ao Parlamento reclamada por alguns deputados (mas será que, no regime actual, o Procurador-Geral presta contas à Assembleia da República?), disse com uma falsa magnanimidade compassiva: “Deixemo-lo sair em paz; o povo português já viu a forma como ele desempenha as funções” (mais ou menos isto). Uma atitude que se inscreve na intenção de amesquinhamento com que têm sido conduzidos muitos dos ataques ao Procurador-Geral.
Por muito polémicos que tenham sido alguns dos seus actos e por muito censuráveis que tenham sido algumas das suas omissões, o certo é que o encarniçamento contra a figura do Procurador-Geral, exactamente porque se trata de um encarniçamento, parece radicar em razões que não são de interesse público, mas de outra ordem.
Ora, a melhor resposta que Souto Moura lhes podia dar, satisfazendo ao mesmo tempo um interesse colectivo, seria, não escrever umas memórias, mas fazer um depoimento em livro, sereno e firme, em que nos desse a perspectiva do modo como decorreu o seu mandato.
Eu, se estivesse no seu lugar, era o que faria. A menos que outras razões imperiosas mo impedissem.





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